segunda-feira, 16 de julho de 2007

Prevenção de amputação

(Correio Popular - Opinião - 24 de novembro de 2005)

Ele ficou cinqüenta dias hospitalizado. Iria tirar o dedão do pé esquerdo, que necrosara após uma pequena inflamação ao lado da unha e acreditava que não demoraria muito a voltar a sua casa. Entretanto, o corte infeccionou. Como era uma pessoa “doce”, os fungos e bactérias (existentes aos montes no ambiente hospitalar) reproduziram-se com facilidade.

Para “limpar” o ferimento, retiraram-lhe mais um pedaço do pé. Depois, como a inflamação não o deixava, a perna se foi. Durante esse tempo, teve de brigar para conseguir duas angioplastias pelo sistema público, para desobstruir artérias. Mesmo assim, o outro pé acabou necrosado.

O caso de Israel Garcia Alves, 59 anos, é exemplo dos problemas vasculares com conseqüências traumáticas. Recentemente, teve a perna esquerda e o dedinho do pé direito amputados em decorrência da má circulação causada pelo diabetes. Ele foi atendido pelo SAS (Sistema de Assistência à Saúde - convênio dos servidores públicos do Paraná) e SUS (Sistema Único de Saúde), em Maringá (PR).

Neste ano, o tema oficial da campanha da International Diabetes Federation - IDF é o cuidado com o “pé diabético”. “Dê um passo à frente. Previna as amputações” é o slogan que tem sido veiculado com o objetivo de incentivar a atenção especial aos membros inferiores do diabético por parte do médico, paciente e família. Nas campanhas anteriores, outras complicações graves da doença, como nos rins e nos olhos, foram abordadas.

A cada minuto, duas pernas são amputadas, devido ao diabetes, em algum lugar do mundo. Mais de 70% de todas as amputações estão relacionadas à doença. No Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde, pequenas lesões geraram, somente no ano passado, 17 mil amputações de coxas e pernas (excluindo dedos necrosados), a um custo anual de R$ 18,2 milhões ao SUS. Enquete feita pela Sociedade Brasileira de Diabetes mostrou que, de 311 diabéticos, 65% nunca tiveram seus pés examinados. Apesar do diabetes ser conhecido como uma “doença traiçoeira”, a IDF estima que a maioria dos casos de úlceras evoluídas tem prevenção. Segundo a instituição, 85% das amputações poderiam ser evitadas.

Programa de referência internacional, o projeto Salvando o Pé Diabético, implantado pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal mostra que políticas públicas trazem avanços consideráveis. Desde 1992, tem sido feito o esforço de integrar equipes multidisciplinares, formar profissionais para exames periódicos nos pés dos diabéticos em hospitais públicos e introduzir centros clínicos especializados. No Hospital Regional de Taguatinga (DF), houve queda de 77,8% nas amputações feitas acima do tornozelo, de 1992 a 2000. Hoje, existem mais de 50 ambulatórios voltados ao “pé diabético” no País. O relatório publicado na Neuropathy Issue (Vol 16, 2004) apontou como principais obstáculos à prevenção: a baixa taxa de revascularização (causada pela falta de cirurgiões, pouco interesse dos que existem e demora nas cirurgias), a longa espera por próteses (pacientes esperam, em média, seis meses na rede pública) e a dificuldade de estruturar equipes especializadas (faltam cursos de podiatria).

Em 14 de novembro, no Dia Mundial do Diabetes, realizou-se uma Conferência Global, em Salvador(BA), apoiada pela IDF, Grupo de Trabalho Internacional do Pé Diabético (IWGDF) e Organização Mundial da Saúde. Confiante, a coordenadora do Salvando o Pé Diabético e responsável pelo Departamento de Complicações Crônicas da Sociedade Brasileira de Diabetes, dra. Hermelinda Pedrosa, afirma que a escolha do Brasil para sediar a Conferência traz visibilidade ao programa e estimula ações governamentais. Em outubro, o Ministério da Saúde constituiu um grupo de trabalho para definir diretrizes nacionais para prevenção, diagnóstico precoce, tratamento e reabilitação das lesões do pé diabético.

Embora o Ministério da Saúde apóie a campanha e ainda que se construa um modelo de prevenção, não existe no Brasil uma política de saúde pública que possa prevenir as doenças arteriais periféricas dos portadores da doença. O senhor Israel Garcia, embora tivesse deficiência renal crônica e problema de visão, não recebia exames periódicos nos pés, não tinha acompanhamento de equipe multidisciplinar especializada e não teve tempo, com procedimentos de revascularização tardios, de ter suas pernas salvas.

O grande coração de Garcia não suportou a dor agravada pela amputação. A retirada de uma perna abriu a porta para a infecção generalizada que o levou. Perdi meu pai no último dia 13, pouco antes do Dia Mundial do Diabetes. Perdi meu melhor amigo e meu mais lindo amor. Perdi um pouco a vontade de viver. Existe política para isso?

Mariana Garcia de Castro Alves é jornalista, estudante do Centro de Estudos Avançados em Jornalismo (LABJOR/Unicamp) e, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), desenvolve projeto de divulgação científica.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ola,
Estou passando por um momento muito triste em minha vida. Minha mãe, diabetica, cega desde 86, esta tendo complicaçoes com seu pé que acabou necrosado, tendo que fazer raspagem no ultimo dia 30 de setembro. Ela sente muita dor e ficou com um "buraco" enorme no pé. Mas, mesmo a base de anti-inflamatórioe e analgésico não parece melhorar. Ela esta fazendo todo o tratamento no hospital de Salvador - BA. Gostaria de encontrar algum lugar que realmente a curasse em qualquer lugar do mundo sem medir esforços, se é que existe cura, ou pelo menos que parasse de sofrer tanto. Qualquer informaçao que realmente traga resultado eficaz será bem vinda. Meu e-mail é: flavio.willian@itelefonica.com.br

Carla Mota disse...

Meu nome é carla e a um mês e pouquinho meu pai (Berlito Rosa Coutnho) foi internado no hospital CARDOSO Fontes (em Jacaepaguá) pelo fato de seu dedão apresentar modificações na cor do locAL.Ele se internou em abril de 2010 e até hoje (junho de 2010)continua enternado.
Em menos de 2 meses, ele teve o dedão amputado, depois mais dois dedos e a perna da canela para baixo....
Meu pai entrou em depressão, começou a ter surtos e não falava coisa com coisa...parou de comer e, após a amputaão da perna, arrancava os curativos e tentava se levantar...
Hoje, dia 17 de junho de 2010, tivemos a notícia de que o local onde a perna foi amputada também está necrosando (mesmo com sua diabets controlada)e que ele irá fazer mais uma cirurgia e retirar mais um pedaço da perna...
Gostaria de saber se isso que aconteceu com ele é normal, pois nunca em minha família havia acontecido coisa parecida!! Ele está agressivo e diz que quer morrer mas quem está morrendo somos nós...e ele sofre. Não sei o que fazer e nem como ajudá-lo .
Preciso muito de sua ajuda...

mariana disse...

Olá, Carla Mota,
Com o meu pai aconteceu a mesma coisa: foi um dedo, depois foi uma parte do pé, depois a perna, depois o outro pé. Meu pai não chegou a tentar tirar os curativos, mas teve um AVC (eu não estava presente nesse momento, mas minha mãe disse que ele não falava coisa com coisa). Depois dessa crise, eu passei todos os momentos com ele e ele voltou à consciência. Ficou muito triste e deprimido, o que temos que entender, já que eles começam a ver o fim. Eu vejo que não podia ter feito mais, porém, se eu pudesse voltar no tempo, o teria abraçado mais, não teria soltado da sua mão, teria pedido mais ajuda para meus familiares (porque eu fiquei sozinha com ele no hospital nas últimas semanas e me culpava por cair no sono)e o tiraria da UTI (onde ficou na última semana) porque ele me pediu para sair de lá e eu podia ter aproveitado mais os últimos momentos, meu pai poderia ter uma morte mais humanizada, junto com a família e não sozinho, numa madrugada qualquer. Eu cantava para ele... Bom, boa sorte para você e para toda sua família. Tente ficar calma. Tudo passa. Grande abraço.