quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Pré-sal: É preciso criar uma nova estatal?

Um dos debates sobre a descoberta de petróleo na camada pré-sal (faixa que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo, situada a mais de 7 mil metros abaixo do mar) é a criação ou não de uma nova estatal para explorar a área.
A discussão se dá porque a Lei do Petróleo de 1997, feita por Fernando Henrique, tira o monopólio da Petrobrás. Conforme declarações, a intenção do governo é destinar os recursos à União. A maneira para se fazer isso está sendo questionada.
Debate organizado pela Folha de São Paulo, em 25/09, perguntou “É preciso criar uma nova estatal?”. Para todos que saíram do auditório, independente de visões ideológicas, a questão foi tratada de maneira secundária, sendo a necessidade da mudança (ou não) do marco regulatório do setor o debate central. A percepção mais geral é a de que o governo Lula tende a criar um modo de aumentar a participação da União, isso a ser divulgado depois das eleições.

Os participantes foram:
Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás e diretor da Coppe (UFRJ);
David Zylberstajn, secretário de energia do governo Covas (1995-1998) - comandou diversas privatizações no setor – e ex-diretor geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo);
Ivan Simões, geólogo do IPP (Instituto Brasileiro do Petróleo), entidade que reúne as petroleiras e
Luiz Carlos Bresser-Pereira, ministro dos governos de Sarney e de FHC.

Segue a transcrição dos momentos mais elucidativos do debate. A maior parte das respostas transcritas é de Luiz Pinguelli Rosa, pois foi o participante que defendeu destinar os recursos ao desenvolvimento do país e não os entregar, de mão beijada, às multinacionais. Além disso, é o que aponta mais claramente como pode se desdobrar a discussão, pois sua proximidade com o governo federal é grande.

Diferenças

Enquanto o Bresser sustentava o perigo da doença holandesa (conceito econômico que mostra que há declínio do desenvolvimento industrial quando o país se volta apenas à exploração de recursos naturais) e sua nova fórmula cambial para minorar essa maldição, o geólogo Ivan Simões dava explicações técnicas sobre o funcionamento do mercado de petróleo.
Enquanto David Zylberstajn defendia a ANP
[1], Luiz Pinguelli Rosa atuava como o estatizante e nacionalista da mesa.

Não ficar dependentes do petróleo. Importância do biocombustível.

Luiz Pinguelli Rosa:“A gente tem que definir o petróleo para o Brasil e não o Brasil para o petróleo. (...)” Não será de uma hora para outra que conseguiremos tirar todo o petróleo de lá (esforço enorme e caro) Se fosse, uma vez chegado ao objetivo, não nos entreguemos a ele por si só.
Diz que é contra deixar os biocombustíveis de lado “seria um erro histórico” até porque esse petróleo do pré-sal tem uma quantidade de CO2 muito grande na jazida (gás causador do efeito estufa): “Acho que o Brasil deve manter essa imagem, até hoje em dia atacada pela questão dos alimentos, de que é um país que se dedicou ao biocombustível. Então, temos que pensar o petróleo de uma maneira planejada. A idéia é que possamos usar o petróleo para o país e não ficar dependentes do petróleo, como um explorador dependente de um produto natural.”

É fundamental discutir.

A questão não deve ser discutida a portas fechadas. Pinguelli se arma contra o argumento de que, caso se abra muito a discussão, as ações são afetadas: “a gente no Brasil tem um interesse a cima desse sobe e desce (das ações da Petrobrás)”, diz.
Luiz Pinguelli Rosa: Como usar o petróleo para o interesse do país? Como internalizar tecnologia? Esse investimento do pré-sal deve frutificar para a engenharia, eu estava conversando isso com o presidente Lula. Eu acho interessante. A discussão da empresa é apenas uma discussão do modelo.

Subordinar o mercado a uma política. Modelo.

Pinguelli: Eu não sou a favor de ficar tudo como está...(essa talvez seja a divisão grande). O modelo de concessão dará fatalmente a qualquer momento o direito de se apropriar do petróleo pela empresa que investir, ganhadora da licitação do bloco. Você pode dizer ah, mas nós vamos fazer proporcionalmente quando for preciso... mas eu acho que não é bem isso não. Eu acho que é melhor o Brasil assumir o controle do petróleo, o que não exclui a participação de empresas estrangeiras. Mas dentro de uma programação que não apenas a da licitação do bloco. É o natural, precisa ser uma empresa. Mas que o governo, através de um certo órgão, qualificado para isso, faça essa gestão. Alguns falam no estilo da empresa norueguesa, isso é secundário. O problema é subordinar, seja a Petrobrás, seja o mercado, a uma certa política.
A administração direta não está fazendo isso em geral. A ANP é um juiz de futebol, ela não é o técnico de um time. Ela foi feita para apitar o jogo. A concepção dela era essa. A Petrobrás sabe fazer isso e faz bem.
Mas eu acho que, nesse momento, para não haver complicações maiores, talvez fosse o caso mesmo do governo criar uma estrutura, algo encarregado de tratar do problema. Que tenha posse do petróleo e que possa decidir como ele vai ser explorado. E é natural que utilize a Petrobrás prioritariamente como operadora porque ela descobriu, ela tem a capacidade técnica, tem a capacidade de investimento (histórica e presente) e é possível o Brasil tirar proveito pensando melhor como utilizar aquela reserva.
(..) Esse esquema de concessão foi pensado num investimento de maior risco para o petróleo do que é atualmente. (...) Está muito fácil encontrar petróleo nessa área. Podemos fazer um sistema híbrido. Podemos deixar o sistema de concessão e dar concessões fora daquela área. E deixar aquela área sob administração dessa empresa, empresa ou órgão do governo ou seja o que for. (...) algo que pensasse no pré-sal procurando tirar alguma vantagem.
Há também a questão da apropriação pelo Estado em seus níveis federal, estadual, municipal do petróleo. Mas, o maior problema que estamos dedicando nossa atenção é a tal empresa. Com ou sem empresa, no sentido explícito do termo (criar uma entidade, empresa pública), o Estado tem que se dedicar a esse problema e assumir o controle dessas reservas dentro de uma política de desenvolvimento de um país cheio de problemas, e que nem tudo se dedique apenas à produção de petróleo (como aconteceu no Oriente Médio. É preciso e urgente pensar que, mesmo sem repetir os erros do passado, é necessário tirar o melhor proveito possível dessa dádiva da natureza, sem abandonar o mais, e ao mesmo tempo sem deixar de tirar proveito daquilo que já existe instalado no país, em primeiro lugar a própria Petrobrás, pelas suas dimensões e por ser controlada pela União.
Aí vêm alguns problemas. A União deveria fazer um aporte para aumentar a sua participação e ter talvez um equilíbrio maior nisso tudo – o governo está estudando isso lá. E também é fundamental a tecnologia brasileira, os bons empregos. Estamos crescendo, é verdade, tirando uma parcela da população daquela pobreza, mas é preciso deixar claro, não chegam à classe média, se tornam sim consumidores. Mas a criação de empregos qualificados precisa aumentar muito. Nossos jovens precisam ser estimulados a estudar, a se aperfeiçoar. Nós precisamos diversificar as atividades e a produção de soja é muito monótona: não emprega muito, tirar terra do solo não é lá uma coisa que vai nos dar essa agregação de valor – não só monetária, tem agregação de valor social, né? Quer dizer, pessoas animadas. Lembramos do Brasil de Juscelino, estou lembrando coisas antigas, as pessoas acreditavam que o Brasil ia fazer uma porção de coisas. Acho que estamos vivendo um momento parecido agora, por mil conjunturas e também por alguns acertos importantes na política de distribuição de renda e valorização do crescimento, embora continue aí esses juros imensos e esse Banco Central, mas agora já estamos saindo do assunto...

Problemas da Lei de Petróleo de FHC. Risco de a Petrobrás perder a licitação.

Luiz Pinguelli Rosa: Acho que a Petrobrás é um grande instrumento dessa política de petróleo. O problema é o fato consumado. Nós demos passos importantes nessa abertura do mercado do petróleo (...)
Existe uma metamorfose: quando ele está em baixo do solo, ele é da União. Na hora que ele aflora na superfície, ele é de propriedade da empresa que o produz. Isso é um fato. Como está hoje a legislação: esse é um dos problemas - porque no capitalismo a posse é uma coisa muita séria e as contestações em torno da posse são muito sérias.
Então, o que eu vejo no governo é a tentativa de manter o mais possível essa situação (...) sendo a mais importante a Petrobrás e criando mecanismos onde ele vai tirar o maior proveito, espero que sim. E principalmente dar um papel à Petrobrás, que é muito importante, garantindo que no pré-sal ela não perca esse papel numa competição internacional.
Porque vamos deixar claro: eu trabalho na Coppe, sou diretor, que é uma escola de engenharia de pós-graduação e pesquisa, nós nos beneficiamos muito da Petrobrás. Temos também contratos com ingleses, com particulares, escolas, pessoas de todas as partes do mundo que trabalham e se relacionam conosco, mas a Petrobrás é muito importante. O fato de uma empresa nacional da dimensão da Petrobrás estar junto permite muita multiplicação de capacidade porque é da natureza de uma empresa dessa. Como é da natureza da Shell ou da British Petrolium investir mais na Inglaterra nessa parte. Não nessas coisas pesadas, carregar peso, isso é coisa que para eles nós brasileiros fazemos bem. Na hora de pensar mais, eles têm a prioridade. É natural. Acho que nesse jogo não é só o governo se apropriar dessa diferença, mas sim usar como instrumento de alavancar o desenvolvimento do Brasil. A Petrobrás é prioritária no desenvolvimento.
Então, a minha visão dessa “coisa”, que pode ser uma empresa, função do Estado, mas tem que ser competente (não um negócio do partido da base aliada) é utilizar inclusive a Petrobrás, dada a sua capacidade, num movimento de alavancamento. Sem excluir as outras, que aliás têm por opção, na maioria das vezes, se associar à Petrobrás. Eu assisti na quarta um debate onde um sujeito da British Petroleum estava lá com a gente e defendia a Petrobrás. Era uma discussão de interesse, porque “eu quero ser parceiro da Petrobrás”. Se você olhar, um grande número dessas empresas se associaram ou estão associadas em Tupi. Então não é eliminá-las, é incorporá-las dentro de uma política.
A China é aberta, politicamente tem visão mais autoritária, mas do ponto de vista de um projeto nacional eles têm na cabeça. A EMBRAER vai lá e eles têm interesse que a tecnologia passe também para empresas chinesas.
Eu acho que nós não temos essa tecnologia no Brasil no caso da Petrobrás. Agora, numa competição forte e o grande produtor de petróleo que o Brasil pode se tornar, a Petrobrás pode perder essa competição. E nós não podemos nos arriscar aí.
(...) Eu acho que essa empresa deve existir para alavancar a Petrobrás e manter o equilíbrio do governo Lula, institucional, do Estado, sem afrontar o mercado, por exemplo, dando rendimentos à Petrobrás por ser ela dona do pré-sal de uma vez só. (...) Aí vem uma crítica, mas é uma questão de prudência e de certo equilíbrio. Não é à toa que o Meirelles está no Banco Central, eu até não gosto. Mas, tem essa história de o Lula ser um Getúlio Vargas: uma hora (fazendo uma coisa, outra hora fazendo outra etc.)

Exagero. Cobiça externa.

(O jornalista pergunta se há um exagero ufanista na divulgação da descoberta.)
Luiz Pinguelli Rosa: Essa questão se há exagero (do governo sobre a riqueza encontrada). Às vezes há exagero.
(...)
Se você projeta a demanda do governo pro futuro, 30 bilhões de barris é muito confortável e dá para alguma exportação.(mesmo com o crescimento e consumo maior do petróleo no Brasil)
Agora, 100 bilhões é outra coisa. Estaríamos batendo na casa dos grandes produtores mundiais. Aí ia ser o maior perigo para o Brasil. Até porque o Iraque está invadido, né?
(...)
(Em outro momento, outro participante):
David Zylberstajn: Há percepção equivocada de que de repente a 4ª Frota americana vai aportar aqui enfiando tubos, vai começar a tirar petróleo... não é assim.

Pró-mercado x Pró-Estado

Valdo Cruz: (...)Uma ala é pró-Estado e a outra é pró-mercado. É isso ou não?
David Zylberstajn: Acho que não tem nada pior na economia que uma estatal produtiva. Eu descobri isso como secretário do estado de SP. Eu não tinha a menor posição de ser contra ou a favor da privatização das empresas locais, mas quando eu vi o ralo que era a corrupção, o mau uso e ineficiência, eu virei um privatista das empresas aqui, assim de nascença. (...) Não é questão de ser pró-mercado. A questão é que hoje no Brasil não existe um modelo pró-mercado. O que existe é um conjunto de regras muito bem estabelecidas, que a sociedade desconhece, a sociedade substima a qualidade técnica da ANP. Acho que é um modelo absolutamente intervencionista, mas neutro. E quando você faz uma estatal, deixa de ser neutro.
Luiz Pinguelli Rosa: Olha, eu discordo. (O processo de privatização foi feito) de uma maneira que privilegiou alguns interesses – eu não estou falando do setor de petróleo, mas e o setor elétrico? No Brasil nós estamos com uma tarifa das mais altas do mundo e a gente não sabe nem para onde vai esse dinheiro. É óbvio que houve um problema com a privatização. Segundo, eu não posso ter medo da democracia! Se eu for dizer que tudo no Brasil vai ser corrupto... o que aconteceu nos EUA? Não houve a corrupção no sentido clássico de alguém pegar e pôr no bolso? E esses executivos que ganharam 10 milhões de dólares por ano e que fizeram o que fizeram?(..) Se existe ineficiência do Estado, seja na empresa, seja na administração direta ou autárquica, é preciso corrigir, mas não podemos... Como é que pode? Eu ouvi aqui que a Petrobrás é incrível, é fantástica, extraordinária... E é estatal! O controle é estatal. Quem nomeia os assessores é o Estado. E tem demonstrado ser eficiente. Então, não é essa a qualidade. Não vamos discutir empresas produtivas estatais ou privadas. Tem muitas empresas privadas, setores parasitas, que ficam agarrados na carne em casca (...). Na minha opinião, diz respeito à presença do Estado. Mas, não é pela ANP, que foi inventada numa concepção do Banco Mundial, de uma governabilidade neutra.
E nós temos que saber que existe uma coisa chamada de interesse nacional! O que os EUA está fazendo é defendendo o interesse nacional dos EUA em primeiro lugar. E essa história de um Estado neutro na economia vira uma piada quando se coloca 700 bilhões de dólares à disposição para salvar uma série de empresas privadas que estão insolventes! Isso, veja bem, nos EUA(...) Há uma incongruência total: então a Petrobrás é boa e é estatal! Então é possível ter uma empresa estatal eficiente. Nós não vamos pensar em criar uma empresa estatal ineficiente.
Segundo, não é para comercializar petróleo, concordo no caso com o Bresser. E também não é só para apropriar recursos para o Estado. É claro que é fundamental num país pobre haver isso. O perigo nosso é reduzir a isso o problema. Vamos pegar a riqueza aí embaixo rapidinho, é 5 ou 10 anos, e depois vamos fazer uma festa com esse dinheiro. Vamos fazer o pobre ficar rico, dar uma super-bolsa família. É preciso desenvolver o país com atividades produtivas, e o petróleo pode ser uma alavanca para isso, mas também pode matar (...)

Mudança do marco regulatório. Contradição na lei. Vontade política.

O pré-sal descoberto é comparado a um milk-shake dos namorados, com um canudo para cada um. A imagem explica que nesse modelo de divisão é preciso “unitizar” a área, ou seja, os blocos (alguns já foram licitados) devem ser explorados conforme a participação de cada empresa. Ivan Simões diz que pode haver um operador só e os recursos são partilhados conforme a participação.
Depois de um apontamento de Bresser, Pinguelli diz que se poderia usar o argumento da unitização para que a Petrobrás tome conta. O diálogo segue:

Ivan Simões: (...) preciso saber até onde se estende (para fazer unitização) e para fazer isso só existe uma forma perfurando poço. Para perfurar poço, só existe na nossa legislação duas opções: uma é conceder a área para que alguém vá e faça e a outra é uma interpretação de que a União poderia fazê-lo diretamente. A União constitui uma empresa, coloca o dinheiro e vai lá e tem aquele dado.
Luiz Pinguelli Rosa: Ou contrata o serviço, por exemplo, da Petrobrás. Não está escrito na Constituição...
David Zylberstajn: Está, Pinguelli.
Luiz Pinguelli Rosa: Não, não está. Na constituição está escrito “poderá”... Pode ou não pode.
David Zylberstajn: Para contratar serviço, qualquer empresa estatal, ou quase-estatal ou semi-estatal, tem que passar por licitação.
Luiz Carlos Bresser-Pereira: O que o Pinguelli está dizendo é muito interessante, Davi. Está dizendo que a União pode(não) licitar empresas que façam a prospecção. Mas pode?
Luiz Pinguelli Rosa: Pode.
David Zylberstajn: Eu estou dizendo que não pode entregar para a Petrobrás. Tem que fazer licitação.
(todos falando ao mesmo tempo, por minutos)
(...)
Luiz Pinguelli Rosa: Há a interpretação estatizante. A União é detentora do monopólio. Ela ainda continua. Agora, ela poderá fazer licitação para o contrato de concessão(...) Se o governo vencer o monopólio diretamente é como se a União fizesse isso. É uma questão política.
David Zylberstajn: Pinguelli, não existe forma nenhuma de contratação pelo governo sem licitação. Ponto. E não existe essa coisa de ente União.
Luiz Pinguelli Rosa: Aí entraria a “coisa”!
David Zylberstajn: Pode ter a “coisa”, mas tem que licitar!
Luiz Pinguelli Rosa: Então tá.


[1] Hoje a ANP tem em sua direção Nelson Narciso (diretor da empresa estadunidense Halliburton) para controlar o banco de dados do petróleo no Brasil.

Um comentário:

Guiga disse...

Agora sim li tudinho com muita calma. Olha Mariana, nós temos poucas coisas do que nos orgulhar, tô falando de experiências de sucesso mesmo, tipo desenvolvimento de novas tecnologias. Eu citaria só duas empresas, até a Embraer eu deixo de lado, trata-se da Embrapa e a PETROBRAS. Quanto a criar mais uma empresa, tudo bem desde que não se abra mão da experiência já consolidada. Daí é torcer para acontecer o que só o Itamar(assumpção), intuiu : PRETOBRÁS.