28 de março de 2006
Relatório do Banco Mundial para América Latina e Caribe divulgado em 14/02/2006 afirma que combate a pobreza através de gastos públicos mais eqüitativos é essencial para impulsionar o crescimento econômico. Os programas de transferência de renda são recomendados aos países mais pobres, como o Bolsa-Família do Brasil, mas programas "voltados para camadas abastadas da população", como aposentadorias, pensões e universidades públicas, são apontados como entraves ao desenvolvimento dos países. Pesquisador brasileiro diverge do receituário da agência e expõe outro ponto de vista.
Ao impor rigor fiscal das economias da América Latina, agências multilaterais como o Banco Mundial e o FMI pedem ajustamentos na área social com cortes em direitos universais - como em educação, saúde e previdência -, privilegiando ações mais baratas - como em políticas sociais focalizadas. É o que aponta Denis Maracci Gimenez, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). "Não sou contra programas de transferência direta de renda, mas querer transformar isso no eixo central da política social do Brasil, onde 1/3 da população está abaixo da linha de pobreza, é um problema", diz.
Crescimento e redução da pobreza
O destaque do último relatório do Banco Mundial, Redução da Pobreza e Crescimento: Círculos Virtuoso e Vicioso, é a afirmação de que a redução da pobreza é um fator importante para o crescimento. A expansão da economia impulsionaria melhora das condições de vida, mas o inverso também seria verdadeiro.
"Entre outros fatores, a própria pobreza está dificultando o crescimento da região e, a menos que os entraves que afetam os pobres sejam abordados, será difícil alcançar um forte crescimento", diz Pamela Cox, vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe. Segundo estudo do Banco, uma queda de 10% no nível de pobreza representa uma elevação de 1% no crescimento econômico. Um aumento de 10% no número de pobres pode acarretar uma diminuição de 1% do crescimento e uma redução de investimento de até 8% do PIB.
De acordo com o relatório, a América Latina deve se preocupar mais com a pobreza se quiser crescer como a China. Enquanto a miséria foi reduzida em 42 pontos percentuais entre os chineses, com uma expansão do PIB próxima a 8,5% ao ano entre 1981 e 2000, a América Latina manteve níveis de pobreza inalterados e amargou taxas medíocres de crescimento (seu PIB per capita caiu 0,7% durante os anos 1980 e aumentou cerca de 1,5% anuais na década de 1990).
Para o economista e professor Denis Maracci Gimenez, da Unicamp, ao contrário do relatório, "é a falta de crescimento que dificulta a redução da pobreza". De seu ponto de vista, se a China não tivesse um avanço do PIB de quase 10% ao ano, durante as últimas duas décadas, não teria tirado 200 milhões de pessoas da miséria. No caso do Brasil, o professor lembra que na década de 1970 a pobreza caiu pela metade (de 68% para 35%). "Com as barbaridades cometidas pelo regime militar, isso só foi possível porque a economia cresceu mais de 8% ao ano", afirma.
Falta de investimento
O "círculo vicioso" destacado no relatório refere-se à falta de participação dos pobres nas atividades geradoras de renda, que causaria falta de investimento e baixo crescimento, os quais trariam mais alto nível de pobreza. Segundo o Banco Mundial, as regiões que não dispõem de infra-estrutura, por exemplo, deixam de atrair investimentos. Denis Maracci Gimenez, por outro lado, observa que o principal atrativo para novos investimentos são mercados em expansão. "Mesmo com muitos pobres ainda, a China só é atraente, pois sua economia cresce 10% ao ano. Quem investe procura mercados em expansão e não economias estagnadas ou semi-estagnadas. É por isso que colocar a economia para crescer é tão central para enfrentarmos outros problemas", explica.
O relatório também assinala que o principal desafio enfrentado pela América Latina é transformar o Estado "em um agente que pratique uma redistribuição eficiente da renda". Recursos escassos deveriam ser gastos com mais eficácia para se reduzir a pobreza. Na concepção do pesquisador, que atualmente desenvolve trabalho de doutorado sobre orientações de agências multilaterais para políticas sociais, a idéia (presente em vários documentos dessas agências) de que o gasto público é elevado e mal utilizado em países como o Brasil deve ser relativizada. Em educação, por exemplo, o Brasil investe 4,3% do PIB e a Alemanha 4,9%. "Os dados parecem nos colocar próximos também da Coréia e Austrália", ilustra. Porém, segundo o professor, o PIB alemão é muitas vezes superior ao brasileiro e, portanto, o investimento da Alemanha em educação não é comparável ao nosso. De acordo com Gimenez, o Brasil gasta em ensino U$123 per capita ao ano, enquanto a Alemanha investe mais de U$1000, a França U$1264 e a Itália U$897 per capita. "Certamente, com o crescimento do produto, a capacidade do gasto estatal, sem aumento de carga tributária, seria elevada sobremaneira", atesta.
Políticas sociais focalizadas
Para escapar ao "círculo vicioso", o Banco Mundial sugere, entre outras medidas, a estabilidade macroeconômica e programas sociais focalizados, como o Bolsa-Família. A implementação de políticas sociais eficazes, que para a agência são os programas de transferência condicional de renda (aqueles que fornecem dinheiro para famílias pobres, contanto que mantenham seus filhos na escola ou os levem ao médico), é elogiada. Com o fim de "gastar melhor", conforme nota à imprensa, o Banco "recomenda que os países tornem mais eqüitativos os seus programas de gastos públicos, dirigindo-os às pessoas que realmente precisam deles, em vez de gastar os recursos subsidiando programas para os mais abastados, como no consumo de energia, aposentadorias, pensões e universidades públicas".
Políticas sociais para determinados grupos, em detrimento da garantia de direitos universais, como previdência e seguro-desemprego, são criticadas por Denis M. Gimenez. "Eles chegam ao paroxismo de falar em política focalizada para pobre na África [...] E mesmo no Brasil... temos 1/3 da população abaixo da linha de pobreza (53 milhões de pessoas) como você vai focar isso? Isso é pobreza em massa; não temos foco de pobreza", diz. O pesquisador conta que a focalização do gasto social nasceu no início da década de 1960, nos EUA, como política social acessória para determinados guetos e grupos (mães solteiras, por exemplo) em uma "sociedade opulenta". Hoje, ao contrário, a orientação para a focalização se dá em um cenário de rigor fiscal. "Se você aceita o que vem para a economia, você aceita reformas na área social e do trabalho características do baixo crescimento econômico", diz Gimenez.
O economista afirma que grande parte da discussão relacionada ao desenvolvimento do Brasil diz respeito aos direitos inscritos na Constituição de 1988. Pensada em um período no qual havia a perspectiva de expansão da economia, a "Constituição Cidadã" garantiu direitos como seguro-desemprego e aposentadoria rural. Entretanto, reformas de cunho liberal foram feitas nos 1990, consolidando um padrão de crescimento muito baixo. Segundo Gimenez, as conquistas da CF de 1988 começaram então a ser atacadas pelas agências multilaterais - que passaram a expandir suas recomendações à área social da América Latina e do Leste Europeu, extrapolando as questões financeiras, como o balanço de pagamento dos países.
"Reformas sobre reformas"
O relatório admite efeitos negativos que podem ser provocados por medidas supostamente importantes ao crescimento, como a liberalização do comércio. Desemprego e queda do nível de renda para trabalhadores formais, funcionários públicos e trabalhadores rurais são conseqüências nocivas, a curto prazo, das reformas liberais implementadas.
Para Denis M. Gimenez, a intenção de conseguir compensar as resistências de setores afetados pelas medidas de privatização, liberalização financeira e comercial é recorrente em documentos do Banco Mundial. "Na verdade, há uma preocupação com a instabilidade política em países submetidos aos "ajustes estruturais" e às reformas liberalizantes", afirma.
Pelo ponto de vista do Banco Mundial, o ajuste compreende um período de transição que requer políticas sociais que minimizem riscos políticos. Segundo Gimenez, é explícito o objetivo de, com a transferência direta de renda, conseguir apoio político dos estratos mais empobrecidos da população para minar as resistências políticas da classe média e dos servidores públicos, por exemplo.
O pesquisador critica o caráter de transitoriedade contida no ajuste. "O que recorrentemente as agências dizem é: 'o período de ajustamento é um período duro, de dificuldades, mas no futuro, se fizerem todas as reformas, os países poderão crescer e acabar com a pobreza...' Mas as reformas já mostraram que o crescimento não vem! As reformas nunca se completam. O ajustamento não tem fim: é permanente", sentencia.
Gimenez destaca ainda que as políticas sociais de "nova geração" diferenciam-se das estruturas do Estado de Bem Estar Social (previdência, saúde, educação) pois, além de ter custos reduzidos, podem ser modificadas conforme a disposição dos governantes. Ao explicar que a política social "flexível" dá solidez à condução da política macroeconômica, Gimenez diz: "Se ameaçar o ajuste fiscal, é fácil: só diminuir o número de benefícios ou seu valor - o que não dá para fazer na previdência, que é um direito... teve arrecadação, vai ter que receber."
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