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sexta-feira, 13 de junho de 2008

Professor do Paraná diz que a flexibilização do trabalho ainda está em pauta

O professor Fábio Campinho analisa o que está em jogo nas discussões entre o capital e o trabalho atualmente e mostra qual é o desafio que a classe trabalhadora tem a enfrentar. Confira:

Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Paraná, o advogado e professor Fábio Campinho (do pequeno PSOL) afirma que a flexibilização das leis trabalhistas ainda está na ordem do dia. Apesar do aparente clima de calmaria festejada em mega eventos por centrais governistas, segundo o entrevistado, o governo e os capitalistas estão percebendo que a crise dos EUA pode se alastrar e, assim, vão querer obrigar os trabalhadores a pagar a conta.

A intenção de flexibilizar o trabalho vem hoje estampada em documentos como o recém publicado “Diretrizes a respeito da reconstrução das relações entre o trabalho e o capital no Brasil”, elaborado pelo ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger. Lá estão as medidas que orientam a agenda legislativa no sentido de retirar direitos dos trabalhadores. Para ver esse documento clique aqui


1) Em sua opinião, qual o balanço do 1º de maio? Qual é a discussão central sobre as relações de trabalho no Brasil hoje?

Estamos em uma fase muito difícil! A correlação de forças entre capital e trabalho é claramente favorável ao primeiro. As organizações construídas pelos trabalhadores por quase três décadas (PT e CUT) se transformaram em instrumentos de acomodação dos interesses do capital. Neste contexto, a simples existência, nas maiores capitais do país, de um 1º de maio classista e de luta, que se difere dos mega-espetáculos das centrais governistas, já é algo que deve ser festejado. É preciso ter clareza das tarefas do momento.

2) Muitas vezes, o trabalhador não participa de sua organização de classe. A reforma sindical poderá criar mecanismos de representatividade e combatividade maiores?

O que tivemos até agora, durante o governo Lula, foram contra-reformas sindicais, algumas postas em prática, outras não. O grande projeto de contra-reforma sindical que saiu das discussões do Fórum Nacional do Trabalho em 2003, por enquanto, está adormecido. O que se vêm fazendo são contra-reformas pontuais. São duas as mais relevantes.

Em primeiro lugar houve o entendimento do Supremo Tribunal Federal de que a lei de greve dos trabalhadores da iniciativa privada também é aplicável aos servidores públicos. Medida que tem intuito claro de dificultar o exercício do direito de greve entre os servidores, especialmente porque, a partir desta decisão do supremo, passa a ser possível que a administração corte os salários durante o período de paralisação.
Em segundo lugar houve o reconhecimento legal das centrais sindicais. O problema é o objetivo que esteve por detrás disso. Tudo foi feito para que as centrais dividissem o bolo do imposto sindical. Verdadeiro absurdo! Lula, nas grandes greves de 1978, no ABC, não se cansava de dizer que a CLT era o AI-5 dos trabalhadores. Lutava contra a ingerência do Estado nos sindicatos, o sindicato único e o imposto sindical. É trágico ver como o discurso e a prática mudaram. Hoje, a CUT que nasceu da luta contra o imposto sindical é reconhecida pelo governo justamente para que possa receber uma fatia do imposto sindical.

3) O que está em jogo quando se diz que é preciso fazer uma revisão da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) para diminuir o custo do trabalho no Brasil e criar mais empregos?

O que se quer é nivelar por baixo. É introduzir no Brasil o padrão asiático de exploração do trabalho, como ocorre na China, nos Tigres Asiáticos e na Índia. Enfim, um sistema de livre mercado, em que não haja qualquer tipo de freio para o capital.

Essa estória de que precarizar é a saída para o problema do desemprego é uma grande falácia. O governo FHC criou o banco de horas, ampliou as possibilidades de terceirização, de contratação a prazo determinado, facilitou a vida das cooperativas fraudulentas, tudo em nome da criação de novos empregos. Conseguiu apenas mais desemprego. O baixo custo do trabalho serve, em momentos de crise, como estímulo à demissão e não à admissão de novos trabalhadores.

O leve aumento do emprego formal, de baixos salários, ocorrido durante o governo Lula se deu mais em virtude da onda de crescimento econômico global do que de medidas concretas de flexibilização das leis trabalhistas. Mas o governo e os capitalistas já estão percebendo que a crise nos EUA tende a se alastrar e que o breve período de bonança não vai durar muito. Por isso, o tema da flexibilização volta à ordem do dia.

4) A proposta feita por Mangabeira Unger de retirar a contribuição previdenciária dos empregadores da folha de salários é um modo eficaz de resolver os problemas do trabalhador brasileiro? Por quê?

De forma alguma. Jogar a contribuição dos empregadores para um imposto geral é abrir uma brecha enorme para que se dê outra destinação aos recursos arrecadados, alheia à previdência social. Se isso já ocorre hoje, segundo dados do próprio governo, com o desvio de boa parte dos recursos da previdência para garantir o superávit primário, imagine no caso de um imposto geral. Seria certamente uma sangria desatada, com claro prejuízo para os trabalhadores.

5) Pela sua leitura, o que o trabalhador brasileiro pode esperar daqui para frente? Qual é a saída?

Os tempos não são fáceis. Também não há saídas prontas. Temos um ex-operário na presidência, que, ainda que com certo grau de camuflagem, vem fazendo integralmente o jogo do grande empresariado, nacional e transnacional. É só ver os elogios aos usineiros. O trabalhador morrendo de tanto cortar cana e o presidente dizendo que os usineiros são “os heróis da nação”. A CUT e seus dirigentes só gerindo os grandes fundos de pensão das Estatais. É o “novo” sindicalismo financeiro!

Neste contexto árduo, é preciso reafirmar a necessidade de auto-organização dos trabalhadores, o caráter classista e autônomo dos sindicatos. É preciso fomentar a organização por local de trabalho, combater o corporativismo nos sindicatos e aproximar as lutas sindicais das de outros setores que estão fora do trabalho formal (os sem-teto, os sem terra, o movimento negro, estudantil, de mulheres, etc.), sem esquecer, é claro, das especificidades do movimento sindical. Nosso desafio é construir um instrumento de unidade capaz de impulsionar a solidariedade de classe e de colocá-la em movimento contra o capital. A Intersindical é um passo importante. Mas é necessário avançar, com calma e sem atropelos, para uma organização capaz de unir todos os setores combatentes dos trabalhadores.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Visão hegemônica do gasto público

(Correio Popular - Opinião - 16 de novembro de 2007)

A idéia de que o Estado tem recursos, mas gasta mal, é hegemônica. A (mais) recente crise na saúde no Nordeste e, ao mesmo tempo, a bastante provável prorrogação da CPMF - criada originalmente para essa área - fazem supor que os altos impostos pagos pela população não melhoram os serviços públicos básicos. O mau gerenciamento da máquina - que inclui o gasto com pessoal e com a previdência - é citado como causa dos problemas financeiros do país. Um "mensalão oculto" que, apesar de ter menos repercussão que os escândalos do Planalto, levaria as contas para o brejo.

Embora pareça uma afirmação correspondente à realidade, a ineficiência no uso do dinheiro público não é o ponto central dos nossos infortúnios. Na verdade, não há recursos para a saúde, educação, transporte, habitação... e a razão é o excessivo gasto com os juros da dívida, pagos com até 20% do orçamento de cada área (permitida pela Desvinculação de Recursos da União), em um cenário de crescimento econômico baixíssimo. A taxa média de elevação do PIB entre 1948 e 1981 foi de 7,1%, enquanto de 1982 a 2006 foi de apenas 2,5%.

Jornalistas, economistas e acadêmicos costumam apontar a transferência de renda da União feita aos pobres, através dos investimentos sociais, como culpada pela má gestão governamental. Para modernizar o elefante branco que seria o Estado, dizem ser necessário reduzir gastos com benefícios previdenciários,
alocar recursos na saúde e educação e, muitas vezes, privilegiar entidades não-governamentais que imprimiriam mais agilidade e transparência aos serviços.

Tais especialistas, bastante atentos, curiosamente esquecem das transferências feitas àqueles que têm dinheiro, através de juros. Em 2006, o governo destinou ao saneamento e à saúde,
esta sendo um dos maiores orçamentos da área social, cerca de R$ 39,8 bilhões. Já com juros e encargos da dívida, valores destinados a uma pequena elite financeira, o gasto foi bem maior: R$ 151,16 bilhões.

Esses profissionais não se lembram também que o crescimento econômico (gerador de emprego e renda) é imprescindível para sustentar a ampliação de gastos na área social, ainda que os impostos arrecadados sejam absurdamente elevados. Quando mencionam o crescimento não advogam pela queda da taxa de juros - que possibilitaria a expansão do crédito para novos investimentos produtivos privados - nem por um real e maciço investimento estatal em setores básicos e de infra-estrutura.

Como instrumentos de divulgação de ideologias, o corpo técnico de entidades multilaterais como Banco Mundial (BIRD) e Fundo Monetário Internacional (FMI), economistas de grandes instituições financeiras, funcionários de grandes veículos de comunicação financiados pela publicidade de multinacionais e bolsistas de programas científicos e culturais, promovidos por países centrais, são pagos para elaborar teses que acabam por ser aceitas passivamente pela opinião pública.

Na nova ordem da globalização, virou moda ter a convicção que a ação estatal deve ser reduzida. O Estado mínimo é indicado aos países periféricos (não se imagina o enfraquecimento da superpotência norte-americana) para que grandes empresas e o capital financeiro internacional possam transitar livremente e não sejam submetidos a nenhuma regulamentação contrária a seus interesses. A idéia, percebida como neutra, desejável e necessária, induz a equívocos que dão sustentação a políticas nocivas ao país.

Da década de 1930 até o fim dos anos 1970, o Estado teve o papel fundamental de financiar e realizar empreendimentos de infra-estrutura que fizeram o Brasil passar de um país rural para uma sociedade urbana de massas - em setores onde o capital privado não se lançaria devido à grande monta envolvida e ao longo tempo de maturação. Assim, houve ascensão social de significativa parte da população brasileira. Embora um dos maiores índices de desigualdade do mundo tenha se mantido, o povo tinha a perspectiva de ter uma vida melhor que a de seus pais.

Depois de quase trinta anos de semi-estagnação e ataque contra a função social do Estado (em 1950 sua importância para o desenvolvimento do país não era discutida), vivemos uma regressão social sem precedentes. O ensino no Brasil é avaliado como um dos piores, nunca há vagas no mercado de trabalho e os filhos da classe média são obrigados a viver da renda dos familiares, cada vez mais empobrecidos. Tudo isso porque o Estado tem se eximido da responsabilidade de promover o crescimento econômico, através de efetiva redução de juros, pois não se dispõe a contrariar interesses do capital financeiro nacional e internacional. Se o fizesse, poderia ampliar os gastos de forma a assegurar padrões civilizados de relações sociais.

Em suma, em uma sociedade esfacelada, onde os termos "soberania" e "projeto nacional" tornaram-se ultrapassados, reina a violência, a ignorância e, aos desavisados, a manipulação.

Há pouco tempo foi publicado um artigo que toca nessa questão: "Transferência de renda aos ricos e pobres no Brasil - Notas sobre os juros altos e o Bolsa-Família", encontrado em www.eco.unicamp.br/cesit/boletim, dos professores Davi José Nardy Antunes e Denis Maracci Gimenez, da Unicamp. Para eles, os gastos governamentais são atacados "como se estivesse sendo realizada uma verdadeira orgia com os gastos públicos" quando, ao invés de cortes, deveriam ser feitos investimentos em infra-estrutura, treinamento e melhores salários aos servidores para eliminar os desperdícios que realmente existem e para melhorar a gestão e a administração pública.

sábado, 28 de julho de 2007

As razões do equilíbrio fiscal


(Correio Popular - Opinião - 09 de agosto de 2007)

São freqüentes as declarações do governo federal de que as contas públicas estão sólidas e, portanto, não temos razão para nos preocupar com instabilidades do mercado internacional, como a crise imobiliária que atingiu os EUA na semana passada. Em 12 de julho, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou durante audiência pública que a solidez é tanta que até 2009 o país terá déficit nominal zero. Segundo o ministro, o déficit zero será alcançado com a redução das despesas com o pagamento dos juros e a continuidade da política monetária do Banco Central.

O que significa a expressão “déficit nominal zero”? Para a maioria, um sintagma bastante atraente. Quem sabe, atingiríamos em dois anos o cume da independência econômica e, assim, os problemas decorrentes da excessiva valorização cambial, do peso dos juros da dívida pública, dos efeitos contracionistas das metas de inflação, do desemprego e da falta de investimento em saúde, saneamento e educação teriam um merecido fim.

Recepcionada pelo presidente, a proposta de Delfim Netto, ex-ministro do regime militar e considerado atual conselheiro do governo, trata de fazer que receita menos despesa (incluindo o gasto com juros) dê zero. Uma conta acertada e correta, não fossem as medidas empregadas e os efeitos de tal política.

Delfim preconiza um rigoroso ajuste fiscal: pelo lado da redução de despesas, apregoa o déficit zero através do que chama de “choque de gestão” na área social (o que se expressa em menos investimento em educação e saúde pública) e das reformas previdenciária e trabalhista (ambas visando retirada de direitos) e, pelo lado da receita, indica uma crescente arrecadação tributária, com a prorrogação da CPMF e da DRU (Desvinculação de Recursos da União). Além disso, ainda em relação a DRU, aconselha o aumento dos atuais 20% para 35% da parcela do orçamento que cada área deve se abster para que o governo utilize como quiser. Diga-se de passagem, é fato que o governo, alegando melhor alocação de recursos, tem demonstrado um apreço especial aos poucos que recebem os juros mais altos do mundo...

Portanto, a idéia do déficit zero é que os tributos pagos pela população sejam retirados da economia real e transferidos a especuladores – sem contrapartida, pois, estes últimos, por não se lançarem em grandes investimentos produtivos, não geram empregos nem contribuem para o crescimento econômico.

A matemática de equilibrar receitas e despesas é fácil, porém essa equação tem como resultado a desigualdade. O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Marcio Pochmman, mostra-nos que enquanto a arrecadação dos impostos vinculados a gastos sociais (como a CPMF, originalmente criada para complementar o orçamento da Saúde) teve aumento de 40,7% a partir de 1995, o gasto social real cresceu apenas 23,8%. Ao contrário do que muitos pensam, o Estado deveria gastar mais, isto é, aplicar uma política fiscal de ampliação do nível de investimento e aumento da tributação sobre os ricos, juntamente com o corte gradual de juros.

John Kenneth Galbraith, importante economista falecido no ano passado, em entrevista a uma jornalista francesa em 1978, explica o conceito de política fiscal ao afirmar que, em situação de desemprego, o governo deve diminuir impostos para criar demanda, ou seja, deve aquecer o mercado através de uma carga tributária menor, permitindo que o povo tenha maior renda para gastar, gerando lucros e daí mais empregos. Questionado sobre a incompatibilidade do equilíbrio das contas com a política fiscal e interrogado sobre as razões que levam os políticos a prometerem orçamentos equilibrados, Galbraith dá a seguinte resposta (que nos leva a pensar que Economia é um negócio bem complicado mesmo): “ Eles [prometem o equilíbrio e] também apregoam a verdade, a fidelidade conjugal, impostos menores, eficiência administrativa do governo, paz e inviolabilidade da maternidade. É uma virtude convencional... coloca as pessoas no mesmo plano dos santos e em oposição a Satã, só que não tem nenhum sentido prático” (A Economia ao Alcance de Quase Todos, Pioneira, 1981).

Quaisquer sejam as razões para a defesa do déficit zero (se é psicologicamente mais simples crer no equilíbrio ou se culturalmente levamos a honradez do cumprimento dos compromissos para a esfera macroeconômica), as mais importantes são as que interessam aos poucos que vão ganhar com ela. Àqueles que tomam as decisões por milhões de brasileiros que, tristemente, acreditam que a condição precária e frágil da atividade que lhes dá sustento deriva de (toda e somente) sua culpa.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Entrevista: Marcio Pochmann

20 de janeiro de 2006

PNAD 2004: desigualdade cai e remuneração do trabalhador fica estável

Em 2004 o índice de Gini, que mede a desigualdade da renda, foi o mais baixo desde 1981. Enquanto 50% dos ocupados com menores rendimentos tiveram um ganho real de 3,2%, a outra metade teve perda de 0,6%. A renda média da população ocupada manteve-se em R$ 733, interrompendo a trajetória de queda iniciada em 1997. É o que mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. A PNAD entrevistou 400 mil pessoas e visitou pouco mais de 139 mil domicílios em todo o Brasil. É a primeira vez que áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá são cobertas pela pesquisa. Para explicar o significado da PNAD, entrevistamos Márcio Pochmann, professor do IE da Unicamp, pesquisador do CESIT e ex-secretário municipal de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo (2001-2004).

A diminuição da desigualdade no Brasil apontada na PNAD apresenta uma tendência consistente de distribuição de renda?
Marcio Pochmann (MP): Em primeiro lugar, é importante ressaltar o que a PNAD permite observar. Ela é uma das melhores informações que temos no Brasil, especialmente porque, inclusive, em 2004 a PNAD deu conta de toda a geografia nacional. Até 2003, o levantamento deixava de fora o interior da região Norte.

A redução da desigualdade de renda - que tem sido avaliada como um dado importante e, inegavelmente, ela o é - mostra que quando você tem crescimento econômico, o Brasil não fica condenado a conviver com o alto desemprego e com a desigualdade crescente, mas é importante ressaltar que parcela importante dos ricos não está contemplada na PNAD. A PNAD considera fundamentalmente a renda do trabalho. É uma pesquisa feita por amostragem e por domicílio. Há uma entrevista e a pessoa declara a renda que ela aufere. Nesse sentido, a PNAD é uma boa informação sobre a renda do trabalho. No entanto, há outras formas de renda como por exemplo: a renda derivada de faturamento de empresa, a renda derivada de aplicações financeiras, a renda derivada de aluguéis, de imóveis, a renda da terra... estas não fazem parte, na sua maior dimensão, dos dados da PNAD. E, por conta disso, temos que olhar a PNAD na exata dimensão em que ela oferece as informações.

A pessoa não declara...
M P: Exatamente. Na verdade, quando você está fazendo a pergunta "quanto você ganha?" a um domicílio, se a pessoa é assalariada com carteira assinada é muito mais fácil ela ter a dimensão precisa dessa remuneração em relação a pessoas que têm uma renda variável, sobretudo autônomas e por conta própria. Então, há uma subestimação das informações oferecidas pela PNAD. A estimativa é que a renda pessoal declarada pela PNAD representa 60% da renda pessoal que as contas nacionais registram. Então, existe uma subestimação. A PNAD mede, de forma mais precisa, a renda do trabalho e não outras formas de renda. Como os ricos não estão fazendo parte da PNAD, para chegar a uma conclusão sobre a redução da desigualdade é bastante limitado comparar aqueles considerados de maior renda (o decil mais alto da distribuição, 9 mil reais mensais, coisa desse tipo...) como ricos. Precisaria considerar outras formas de renda, especialmente quando nós estamos há duas décadas com o desempenho do mercado de trabalho desestruturado. Cresceu o desemprego e cresceram outras formas de ocupação que não são o assalariamento. Então, no que diz respeito à renda do trabalho (uma coisa em torno de 35% da renda nacional) a PNAD oferece um conjunto de informações importante que mostra, de certa maneira, que houve redução da desigualdade - uma redução da desigualdade que tem muito mais a ver com a queda do rendimento dos mais ricos que recebem renda do trabalho, em relação aos que recebem menor renda.

O bom da redução da desigualdade é quando todas as rendas crescem, mas a renda dos mais pobres cresce em maior ritmo. Não foi isso que a PNAD mostrou em 2004. Houve um crescimento pontual da renda dos mais pobres, mas o decréscimo da desigualdade (sobretudo no que diz respeito ao índice de Gini) deve-se justamente à perda, em termos reais, da participação da renda dos que ganham um pouco melhor.

A diminuição da desigualdade de rendimentos apontada é sinal de uma estruturação mais justa do mercado de trabalho ou, ao contrário, é sinal de desestruturação na medida em que são gerados mais serviços precários e de baixa remuneração?
M P: Duas razões explicam a diminuição da concentração da renda do trabalho. Uma é que nós voltamos a recuperar a atividade econômica desde o segundo semestre de 2003. Mas, os postos de trabalho que estão sendo gerados são aqueles de baixa remuneração. Mesmo crescendo o emprego formal, o que é bastante positivo, 90% das vagas abertas foram de até dois salários mínimos mensais. A economia vem gerando postos de trabalho de baixa remuneração, o que, de certa maneira, privilegia os de menor renda. A segunda razão está associada aos próprios programas de distribuição de renda que se concentraram nos mais pobres. Isso evitou que a renda desse segmento caísse tanto quanto caiu a renda dos mais ricos. Foram esses movimentos que acabaram levando à redução da desigualdade.

Agora, é difícil acreditar que, por si só, podemos ter uma desigualdade menor que represente, de fato, uma elevação do padrão de vida da população. Em 1992, por exemplo, nós tivemos um ano muito ruim: uma recessão, todas as rendas caíram, sobretudo a renda dos mais ricos. Houve uma redução da desigualdade. De 1981 para cá, 2004 foi o momento em que houve menor desigualdade de renda, mas essa é uma redução da desigualdade forjada em uma situação que não é a melhor. A melhor situação é quando você tem crescimento econômico, quando todas as rendas crescem, só que as rendas dos mais pobres crescem muito mais que a renda dos mais ricos.

O nível de ocupação foi o maior desde 1996. Isso também mostra a importância do crescimento econômico para a geração de empregos?
M P: Sim. Havia, sobretudo nos anos 90, o pensamento de que o Brasil não teria mais emprego assalariado, tudo passava pelo trabalho não assalariado e que a indústria não traria mais emprego. Em 2004, bastou a economia crescer próximo de 5%, tivemos a retomada do emprego assalariado de carteira assinada e tivemos a retomada do emprego industrial. Então, o Brasil não está condenado a conviver com desemprego elevado, com o desassalariamento, e com ausência de empregos na indústria. Pelo contrário, se o Brasil tiver uma rota de crescimento econômico acentuado, nós deveremos ter uma recuperação do emprego assalariado e isso certamente virá acompanhado de maior remuneração, como observamos nesse momento. É possível combater o desemprego e ampliar a renda do trabalho. Mas há um pré-requisito que se chama crescimento econômico (de forma duradoura ao longo do tempo).

O rendimento médio manteve-se em R$ 733, interrompendo a trajetória de queda iniciada em 1997. Desde o início da década de 1990, o ponto máximo atingido (R$ 903) foi em 1996. Em relação àquele ano, a perda real é de 18,8%. Como se explica a estabilização do rendimento médio dos ocupados em 2004?
M P: Depois de 1996, houve uma perda dos rendimentos médios reais obtidos pelo próprio Plano Real. Isso vai até 2003. Em 2004 essa renda não caiu, ficou estável. É preocupante, por um lado, considerar que, enquanto a economia cresceu quase 5% em 2004, a renda do trabalho não cresceu, apenas manteve seu valor real. Nós estamos vivendo um quadro em que, a despeito da inflação ser relativamente muito baixa, não há garantias de correção passada aos salários. Os salários sobem porque há elevação do salário mínimo ou porque há pressão dos sindicatos nas negociações coletivas. Nós não temos uma política salarial que garanta o mínimo de acordo com a inflação ou produtividade dos trabalhadores. E, embora o Dieese mostre que os sindicatos vêm aumentando seus ganhos com relação à inflação, sabemos que a maior parte da população brasileira não está organizada em sindicatos. Não está muito claro que haverá uma recuperação da renda do trabalho, tão somente pelo crescimento econômico. É necessária, no meu modo de ver, maior pressão por parte dos sindicatos e uma consistente elevação do salário mínimo.

Receita do Banco Mundial para reduzir pobreza é criticada por pesquisador

28 de março de 2006

Relatório do Banco Mundial para América Latina e Caribe divulgado em 14/02/2006 afirma que combate a pobreza através de gastos públicos mais eqüitativos é essencial para impulsionar o crescimento econômico. Os programas de transferência de renda são recomendados aos países mais pobres, como o Bolsa-Família do Brasil, mas programas "voltados para camadas abastadas da população", como aposentadorias, pensões e universidades públicas, são apontados como entraves ao desenvolvimento dos países. Pesquisador brasileiro diverge do receituário da agência e expõe outro ponto de vista.
Ao impor rigor fiscal das economias da América Latina, agências multilaterais como o Banco Mundial e o FMI pedem ajustamentos na área social com cortes em direitos universais - como em educação, saúde e previdência -, privilegiando ações mais baratas - como em políticas sociais focalizadas. É o que aponta Denis Maracci Gimenez, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). "Não sou contra programas de transferência direta de renda, mas querer transformar isso no eixo central da política social do Brasil, onde 1/3 da população está abaixo da linha de pobreza, é um problema", diz.
Crescimento e redução da pobreza
O destaque do último relatório do Banco Mundial, Redução da Pobreza e Crescimento: Círculos Virtuoso e Vicioso, é a afirmação de que a redução da pobreza é um fator importante para o crescimento. A expansão da economia impulsionaria melhora das condições de vida, mas o inverso também seria verdadeiro.
"Entre outros fatores, a própria pobreza está dificultando o crescimento da região e, a menos que os entraves que afetam os pobres sejam abordados, será difícil alcançar um forte crescimento", diz Pamela Cox, vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe. Segundo estudo do Banco, uma queda de 10% no nível de pobreza representa uma elevação de 1% no crescimento econômico. Um aumento de 10% no número de pobres pode acarretar uma diminuição de 1% do crescimento e uma redução de investimento de até 8% do PIB.
De acordo com o relatório, a América Latina deve se preocupar mais com a pobreza se quiser crescer como a China. Enquanto a miséria foi reduzida em 42 pontos percentuais entre os chineses, com uma expansão do PIB próxima a 8,5% ao ano entre 1981 e 2000, a América Latina manteve níveis de pobreza inalterados e amargou taxas medíocres de crescimento (seu PIB per capita caiu 0,7% durante os anos 1980 e aumentou cerca de 1,5% anuais na década de 1990).
Para o economista e professor Denis Maracci Gimenez, da Unicamp, ao contrário do relatório, "é a falta de crescimento que dificulta a redução da pobreza". De seu ponto de vista, se a China não tivesse um avanço do PIB de quase 10% ao ano, durante as últimas duas décadas, não teria tirado 200 milhões de pessoas da miséria. No caso do Brasil, o professor lembra que na década de 1970 a pobreza caiu pela metade (de 68% para 35%). "Com as barbaridades cometidas pelo regime militar, isso só foi possível porque a economia cresceu mais de 8% ao ano", afirma.

Falta de investimento
O "círculo vicioso" destacado no relatório refere-se à falta de participação dos pobres nas atividades geradoras de renda, que causaria falta de investimento e baixo crescimento, os quais trariam mais alto nível de pobreza. Segundo o Banco Mundial, as regiões que não dispõem de infra-estrutura, por exemplo, deixam de atrair investimentos. Denis Maracci Gimenez, por outro lado, observa que o principal atrativo para novos investimentos são mercados em expansão. "Mesmo com muitos pobres ainda, a China só é atraente, pois sua economia cresce 10% ao ano. Quem investe procura mercados em expansão e não economias estagnadas ou semi-estagnadas. É por isso que colocar a economia para crescer é tão central para enfrentarmos outros problemas", explica.
O relatório também assinala que o principal desafio enfrentado pela América Latina é transformar o Estado "em um agente que pratique uma redistribuição eficiente da renda". Recursos escassos deveriam ser gastos com mais eficácia para se reduzir a pobreza. Na concepção do pesquisador, que atualmente desenvolve trabalho de doutorado sobre orientações de agências multilaterais para políticas sociais, a idéia (presente em vários documentos dessas agências) de que o gasto público é elevado e mal utilizado em países como o Brasil deve ser relativizada. Em educação, por exemplo, o Brasil investe 4,3% do PIB e a Alemanha 4,9%. "Os dados parecem nos colocar próximos também da Coréia e Austrália", ilustra. Porém, segundo o professor, o PIB alemão é muitas vezes superior ao brasileiro e, portanto, o investimento da Alemanha em educação não é comparável ao nosso. De acordo com Gimenez, o Brasil gasta em ensino U$123 per capita ao ano, enquanto a Alemanha investe mais de U$1000, a França U$1264 e a Itália U$897 per capita. "Certamente, com o crescimento do produto, a capacidade do gasto estatal, sem aumento de carga tributária, seria elevada sobremaneira", atesta.
Políticas sociais focalizadas
Para escapar ao "círculo vicioso", o Banco Mundial sugere, entre outras medidas, a estabilidade macroeconômica e programas sociais focalizados, como o Bolsa-Família. A implementação de políticas sociais eficazes, que para a agência são os programas de transferência condicional de renda (aqueles que fornecem dinheiro para famílias pobres, contanto que mantenham seus filhos na escola ou os levem ao médico), é elogiada. Com o fim de "gastar melhor", conforme nota à imprensa, o Banco "recomenda que os países tornem mais eqüitativos os seus programas de gastos públicos, dirigindo-os às pessoas que realmente precisam deles, em vez de gastar os recursos subsidiando programas para os mais abastados, como no consumo de energia, aposentadorias, pensões e universidades públicas".
Políticas sociais para determinados grupos, em detrimento da garantia de direitos universais, como previdência e seguro-desemprego, são criticadas por Denis M. Gimenez. "Eles chegam ao paroxismo de falar em política focalizada para pobre na África [...] E mesmo no Brasil... temos 1/3 da população abaixo da linha de pobreza (53 milhões de pessoas) como você vai focar isso? Isso é pobreza em massa; não temos foco de pobreza", diz. O pesquisador conta que a focalização do gasto social nasceu no início da década de 1960, nos EUA, como política social acessória para determinados guetos e grupos (mães solteiras, por exemplo) em uma "sociedade opulenta". Hoje, ao contrário, a orientação para a focalização se dá em um cenário de rigor fiscal. "Se você aceita o que vem para a economia, você aceita reformas na área social e do trabalho características do baixo crescimento econômico", diz Gimenez.
O economista afirma que grande parte da discussão relacionada ao desenvolvimento do Brasil diz respeito aos direitos inscritos na Constituição de 1988. Pensada em um período no qual havia a perspectiva de expansão da economia, a "Constituição Cidadã" garantiu direitos como seguro-desemprego e aposentadoria rural. Entretanto, reformas de cunho liberal foram feitas nos 1990, consolidando um padrão de crescimento muito baixo. Segundo Gimenez, as conquistas da CF de 1988 começaram então a ser atacadas pelas agências multilaterais - que passaram a expandir suas recomendações à área social da América Latina e do Leste Europeu, extrapolando as questões financeiras, como o balanço de pagamento dos países.
"Reformas sobre reformas"
O relatório admite efeitos negativos que podem ser provocados por medidas supostamente importantes ao crescimento, como a liberalização do comércio. Desemprego e queda do nível de renda para trabalhadores formais, funcionários públicos e trabalhadores rurais são conseqüências nocivas, a curto prazo, das reformas liberais implementadas.
Para Denis M. Gimenez, a intenção de conseguir compensar as resistências de setores afetados pelas medidas de privatização, liberalização financeira e comercial é recorrente em documentos do Banco Mundial. "Na verdade, há uma preocupação com a instabilidade política em países submetidos aos "ajustes estruturais" e às reformas liberalizantes", afirma.
Pelo ponto de vista do Banco Mundial, o ajuste compreende um período de transição que requer políticas sociais que minimizem riscos políticos. Segundo Gimenez, é explícito o objetivo de, com a transferência direta de renda, conseguir apoio político dos estratos mais empobrecidos da população para minar as resistências políticas da classe média e dos servidores públicos, por exemplo.
O pesquisador critica o caráter de transitoriedade contida no ajuste. "O que recorrentemente as agências dizem é: 'o período de ajustamento é um período duro, de dificuldades, mas no futuro, se fizerem todas as reformas, os países poderão crescer e acabar com a pobreza...' Mas as reformas já mostraram que o crescimento não vem! As reformas nunca se completam. O ajustamento não tem fim: é permanente", sentencia.
Gimenez destaca ainda que as políticas sociais de "nova geração" diferenciam-se das estruturas do Estado de Bem Estar Social (previdência, saúde, educação) pois, além de ter custos reduzidos, podem ser modificadas conforme a disposição dos governantes. Ao explicar que a política social "flexível" dá solidez à condução da política macroeconômica, Gimenez diz: "Se ameaçar o ajuste fiscal, é fácil: só diminuir o número de benefícios ou seu valor - o que não dá para fazer na previdência, que é um direito... teve arrecadação, vai ter que receber."

sábado, 14 de julho de 2007

Superávit socialmente indigesto

Economistas criticam "políticas sociais de nova geração" propostas pelo Banco Mundial e alfinetam ortodoxia do Ministério da Fazenda. Para reduzir desigualdade é preciso gastar muito mais com o social. E, para isso, é preciso crescer.
Abril de 2006

No ano passado, assistiu-se a um embate público característico de duas visões distintas de projeto econômico e social para o Brasil. A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) disse que o governo “enxugava gelo” ao economizar para pagar juros da dívida, pois, para ela, não adiantava fazer superávit primário (dinheiro que se reserva ao pagamento da dívida) sem uma queda consistente dos juros. Em contrapartida, o ministro Antônio Palocci (Fazenda) pronunciou-se contra “gastadores irresponsáveis”.Aplaudido pela grande imprensa, o ministro e sua ortodoxia representariam a garantia de que “a economia estaria a salvo de mágicas, das intervencionices e dos rasgos populistas”, como afirmou a revista Veja (30 nov. 2005).

Divergências a respeito da condução da política econômica têm crescido no país. Isso porque, embora esteja fazendo o ajuste fiscal (economia de gastos públicos para honrar os compromissos da dívida), o Brasil tem crescido a taxas menores que outros países em desenvolvimento; o endividamento financeiro do setor público não tem diminuído; e a taxa de juros tem sido uma das maiores do mundo – impedindo condições de crédito favoráveis a novos investimentos produtivos e conseqüente criação de empregos.

Críticas ao modelo econômico existem em setores do próprio governo e também partem de certos economistas brasileiros, que questionam as restrições ao gasto social levadas a cabo pela disciplina fiscal implantada a partir do início da década de 1990.

Como tem sido feita a política social no contexto de baixo crescimento? Quais são os resultados do ajustamento do gasto social às restrições impostas pela economia? É isso que tentam responder especialistas da área.

Focalização: o mais barato
O relatório do Banco Mundial para América Latina e Caribe, Redução da Pobreza e Crescimento: Círculos Virtuoso e Vicioso, divulgado em fevereiro, afirmou que o combate à pobreza através de gastos públicos “mais eqüitativos” seria essencial para impulsionar o crescimento econômico. Foram recomendados programas de transferência de renda aos mais pobres, como o Bolsa-Família. Mas programas que, segundo o relatório, são “voltados para camadas abastadas da população”, como aposentadorias, pensões e investimento em universidades públicas, foram apontados como entraves ao desenvolvimento dos países.

Em 2003, foram gastos com o Bolsa-Família aproximadamente R$ 3,5 bilhões, ou seja, 0,23% do PIB brasileiro. Em 2004, esses gastos subiram para R$ 5,7 bilhões, 0,32% do PIB. Comparados aos gastos com a Seguridade Social, os valores das chamadas “políticas sociais de nova geração” são bastante modestos; mas crescem a cada ano.

Políticas sociais para determinados grupos, em detrimento da garantia de direitos universais, como previdência e seguro-desemprego, são criticadas por economistas não-liberais.

Denis Maracci Gimenez, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), por exemplo, diz não ser contra programas de transferência direta de renda, mas afirma que “querer transformar isso no eixo central da política social do Brasil é um problema”. Gimenez, que atualmente desenvolve trabalho de doutorado sobre orientações de agências multilaterais para o gasto social de países em desenvolvimento, destaca que as políticas sociais de “nova geração” diferenciam-se das estruturas de Bem Estar Social (previdência, saúde, educação) pois, além de ter custos reduzidos, podem ser modificadas conforme a disposição dos governantes. Ao explicar que a política social "flexível” dá solidez à condução da política macroeconômica, Gimenez diz: “Se ameaçar o ajuste fiscal, é fácil: é só diminuir o número de benefícios ou seu valor – o que não dá para fazer na previdência, que é um direito: teve arrecadação, vai ter que receber”.

Segundo outro pesquisador, Davi José Nardy Antunes, também professor do Instituto de Economia da Unicamp, a desigualdade social não pode ser reduzida com corte nos gastos sociais, sejam eles universais ou focalizados. Para ele, somente a redução de gastos com juros poderia ser efetiva na melhora das condições de vida da maioria da população.

Em 2005, o Brasil gastou R$ 25,8 bilhões em educação e cultura e R$ 6,5 bilhões com o Bolsa-Família. Por outro lado, entre janeiro e setembro do mesmo ano, em apenas nove meses o país gastou R$ 120 bilhões com juros. (http://www.planejamento.gov.br e http://www.planejamento.gov.br/arquivos_down/sof/orcamento_2005/resumo/desp_sociais_funcao.pdf.)
A focalização do gasto social nasceu no início da década de 1960, nos Estados Unidos, como política social acessória para determinados guetos e grupos (mães solteiras, por exemplo) em uma sociedade opulenta. Hoje, ao contrário, a orientação para a focalização se dá em um cenário de rigor fiscal.

No Brasil, 1/3 da população está abaixo da linha de pobreza (53 milhões de pessoas). Agências multilaterais, como o Banco Mundial, chegam a sugerir políticas sociais focalizadas até para países ainda mais pobres, como os da África.

Gastos públicos: altos e mal direcionados?
A idéia de que o gasto público no Brasil é elevado e mal utilizado - presente em vários documentos de agências multilaterais, em estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), ligado ao Ministério do Planejamento, e, muitas vezes, existente no senso comum - deve ser relativizada. Dados referentes à porcentagem do PIB são utilizados para mostrar quão altos são os gastos sociais no Brasil. Porém, as especificidades do país são escondidas ao usar essa metodologia, de acordo com Gimenez. Em educação, por exemplo, o Brasil investe 4,3% do PIB e a Alemanha 4,9%. Isso colocaria o gasto brasileiro em educação em níveis próximos de países centrais. Todavia, como o PIB alemão é muitas vezes superior ao do Brasil, a comparação apresentada é artificial.

O Brasil gasta em ensino US$ 123 per capita ao ano, enquanto a Alemanha investe mais de US$ 1.000, a França, US$ 1.264, e a Itália, US$ 897, segundo o professor.

Um argumento usado para a redução de gastos sociais universais é o de que estes só beneficiariam os 20% da população de rendimento mais elevado, ou seja, os mais ricos.

Porém, conforme dados da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílio (PNAD) de 2003, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e utilizada pelo Ministério da Fazenda (2003), rico seria o brasileiro com rendimento per capita superior a R$ 440. Mesmo que se pudesse considerar alguém que ganha esse valor mensal como “rico”, certamente, este seria rebaixado a pobre se tivesse que pagar por sua educação.

Conquistando bolsos e mentesDesemprego e queda do nível de renda para trabalhadores formais, funcionários públicos e trabalhadores rurais são conseqüências nocivas, a curto prazo, das reformas liberais implementadas. Economistas ortodoxos admitem efeitos negativos que podem ser provocados por medidas supostamente importantes ao crescimento, mas os desajustes sociais trazidos pela liberalização do comércio seriam passageiros. Depois do duro ajustamento e do período difícil da transição, se feitas todas as reformas liberais, os países teriam condições de crescer e, assim, acabar com a pobreza.

Pelo ponto de vista do Banco Mundial, por exemplo, o ajuste compreende um período de transição que requer políticas sociais que minimizem riscos políticos. Com recomendação por transferência direta de renda e políticas focalizadas, o objetivo seria conseguir apoio político dos estratos mais empobrecidos da população para minar as resistências políticas da classe média e dos servidores públicos.

Ao lado de outros economistas, Gimenez critica o caráter de transitoriedade contida no ajuste. “As reformas já mostraram que o crescimento não vem. As reformas nunca se completam. O ajustamento não tem fim: é permanente”, sentencia.

Enquanto a miséria foi reduzida em 42% entre os chineses, com uma expansão do PIB próxima a 8,5% ao ano entre 1981 e 2000, a América Latina manteve níveis de pobreza inalterados e amargou taxas medíocres de crescimento (seu PIB per capita caiu 0,7% durante os anos 1980 e aumentou cerca de 1,5% anuais na década de 1990).

Segundo o professor e diretor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, Carlos Alonso Barbosa de Oliveira, a volta do crescimento econômico seria um passo essencial para um processo de melhoria das condições de vida dos brasileiros. Ao invés de propor medidas restritivas para a economia – como altas taxas de juros mantidas ou diminuídas timidamente pelo Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) – Oliveira aponta a necessidade de “expansão rápida do PIB, sua conseqüente elevação da renda per capita, das receitas fiscais e dos gastos sociais.” (Carta Social e do Trabalho nº2). De acordo com o economista, “mantida a atual orientação de políticas econômicas e sociais e o conseqüente reduzido crescimento, nenhum dos graves problemas sociais do país ganhará solução adequada, e o Brasil persistirá com suas desigualdades e misérias”.

Indiscutível é o fato de que os gastos sociais são insuficientes para atender à população. De acordo com levantamento feito por Marcio Pochmann, também da Unicamp, enquanto no Chile 85% dos jovens estão no ensino médio, no Brasil apenas 35% dos jovens de 15 a 17 anos estão matriculados no mesmo nível. Para que o Brasil chegasse à situação do Chile, seria necessário incluir 5,7 milhões de jovens no ensino médio, contratar 510 mil professores e abrir 140 mil turmas e 47 mil salas de aula. Somente para o ensino médio. Na saúde, segundo o pesquisador, faltariam 2,6 milhões de leitos hospitalares e 845 mil médicos no Brasil, se o país tratasse dignamente de sua população. Na habitação, o déficit é de quase 11milhões de moradias.