Com depoimentos bem amarrados sobre um drama digno de um espetacular thriller hollywoodiano, o filme Stranded (2007), de Gonzalo Arijon, é muito mais que um bom documentário. É um excelente, comovente e impressionante filme que exercita nosso questionamento a respeito de nossa existência e de nossa finitude.
A história é sobre aquele caso no qual sobreviventes de um acidente de avião nos Andes tiveram que praticar canibalismo para continuarem vivos, nos anos 1970. Outros filmes já foram feitos sobre o fato e, apesar de não os ter visto nenhum, imagino que não se devem comparar a Stranded.
O que mais toca no documentário não é a decisão de comer carne humana em uma situação limite, como parece ter focado a imprensa na época. (Não que a questão de violar um cadáver que teve laços, muitas vezes de infância, com os colegas que estavam ali, à beira da morte, seja um aspecto pouco comovente e fácil de lidar. Só de pensar em se deparar com questões como escolher os corpos a serem consumidos e escolher as estratégias de corte, o estômago se revira.)
O que mais emociona é a dor da morte e a passagem , em si, universalmente, desta para (melhor?). Sim, melhor.
Ser contra comer os amigos mortos era ser “covarde”, como se acusa um sobrevivente. Da mesma forma, deixar se abater e sucumbir por notícias de que não seriam feitas mais buscas (ouvidas pelo rádio do avião) parecia ser menos difícil que – famintos, desnutridos, machucados e congelando – ter esperanças de que iriam conseguir se comunicar ou atravessar quilômetros nos Andes de modo a serem salvos. A morte imediata seria melhor que o sofrimento prolongado.
Após a queda, em que salvaram-se 29 dos 45 passageiros, uma avalanche ainda viria a causa mais mortes (8). Durante uma noite, uma montanha de gelo cairia sobre o avião onde se recolhiam. Os depoimentos sobre essa noite impressionam, pois todos reportam a sensação do que é morrer.
Primeiro, uma exasperação. Desespero. Busca pelo ar, mesmo que fosse insuportável viver.
Depois, vencidos, o pensamento de que a resistência é vã. De que, impotentes, os seres humanos devessem receber a morte de cada um calmamente, sem revolta, apaziguados, como um presente até. Então, chegaria o momento do tal “filminho da vida” com lembranças remotas – um dos sobreviventes fala das alfombras da sala de sua infância e até do ambiente uterino – conforme os inúmeros relatos existentes em programas de TV e ante-salas de UTI. A melhor sensação de toda sua vida, diz. Luminosidade extrema. Branca. Até que o tiram dali. De volta à vida. De volta ao inferno dos Andes. Cordilheira da morte. Branca.
O filme foi vencedor do Festival de Amsterdã.
Veja o trailer: http://link.brightcove.com/services/player/bcpid1214149067?bclid=1315782973&bctid=1298299529
segunda-feira, 14 de abril de 2008
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