Oposição instala o terror contra o povo que apóia o governo de Morales. Leia entrevista com o professor aposentado da UFMG Carlos Romero, que acompanhou o referendo de agosto.
Entrevistei Carlos Cortez Romero, professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), boliviano de origem e naturalizado brasileiro, em 11 de setembro, auge dos atentados na Bolívia.
Para o professor, que esteve no referendo e acompanha de perto o processo político boliviano, é necessário pensar na luta de classes para entender os conflitos no país vizinho.
Assassinatos de camponeses, inclusive de mulheres e crianças, destruições de prédios públicos e bloqueios de estradas no leste da Bolívia, são as maneiras como opositores ao governo do indígena Evo Morales têm se manifestado nos últimos meses. Eles são contra a iniciativa de direcionar impostos para os aposentados e também são contra a nova Constituição, que prevê maior justiça social, feita no governo de Morales.
Desde 2006, quando o presidente tomou posse, as classes e etnias dominantes tentam inviabilizar mudanças democráticas. Apesar disso, Evo Morales é respaldado por 67,4% de toda a população, até das regiões opositoras – conforme referendo para confirmar sua permanência no poder, realizado em 10 de agosto último.
Por que esses protestos na Bolívia contra o governo de Evo Morales?
Romero – Na verdade, isso é fruto de uma disputa de uma questão econômica, social, de um modelo econômico. É fruto de todo um processo de resgate de uma história escrita a partir dos próprios indígenas, dos camponeses e dos novos movimentos sociais, que reivindicam a propriedade dos recursos naturais contra a oposição que tenta retomar o poder para a implementação das políticas neoliberais e para o resgate da administração dos recursos naturais.
Esses protestos ocorrem porque Evo instituiu algumas medidas de distribuição desses recursos?
Romero - Na verdade, o que os opositores alegam é que Morales teria retirado recursos dos impostos diretos dos hidrocarburos para poder financiar programas sociais que beneficiam pessoas com mais de 60 anos. Eles querem de volta esses recursos. Acontece que com a política de nacionalização das empresas petroleiras, esses estados (chamados de departamentos) recebem hoje muito mais recursos que antes. Ou seja, é um pretexto falso. Se eles recebiam 100, hoje recebem mais de 300. Não sei exatamente o montante, mas em função da nacionalização, só para você ter uma idéia, havia o pagamento de um imposto de 18%, agora foi para 80%, as altas foram extremamente significativas. Na verdade, há a tentativa de retomar a administração dessas petroleiras e/ou do próprio Estado.
A gente vê atos muito violentos, com explosão de gasodutos e depredação de prédios públicos. Como ocorrem os protestos dessa direita radical boliviana?
Romero – Pelo o que se sabe, são grupos paramilitares treinados por militares colombianos, inclusive israelitas, e têm todo o apoio dos Estados Unidos. Trata-se de tentar desgastar o governo Evo, trata-se de provocar mortes que serão creditadas na conta de Evo Morales. Por determinação de Evo, por sua concepção política e social, as forças policiais não usam armas letais. E as forças armadas só poderão fazer uso de armas numa situação extrema. Isso a partir de Evo Morales, porque na época da ditadura essas questões não existiam.
Hoje o Exército está com o Evo...
Romero – Aparentemente, sim. Tem uma declaração de um alto general das forças armadas mostrando que estão do lado de Evo Morales e não tolerarão nenhum tipo de invasão às petroleiras. Porque as petroleiras estão assentadas no território e eles são responsáveis pela preservação do território.
O Evo Morales subiu patentes de indígenas no Exército?
Romero – Acredito que tenha tido promoções, dentro de determinados critérios. Evo Morales, desde que assumiu o governo, tem se mostrado uma pessoa extremamente institucionalista, democrática e extremamente respeitosa das instituições. Não acredito que tenha havido favorecimento, até porque, ele mesmo fala, não tem nenhum general com sobrenome Maita, Quispe, os sobrenomes dos militares são sobrenomes de pessoas de etnias não indígenas.
Nos jornais a gente lê que a Bolívia é um país historicamente “instável”. O que significa isso?
Romero – Eu diria que é a radicalização da luta de classes. É uma questão que não se explica pelo referendo, pela ascensão de Evo Morales. Se explica por mais de 500 anos de exploração colonialista, depois imperialista, neoliberal... A Bolívia tem toda uma cultura revolucionária, desde a época da colônia. As novas formas de organização social expressam uma certa agudização da luta de classes. A direita boliviana não é como a direita brasileira. Ela é orgância, né? Ela não tem prepostos, ela própria atua.
[O MAS, Movimento aL Socialismo, do qual participa Morales, é um partido/sindicato/movimento que nasceu como um “instrumento político” em meados dos anos 1990 e conseguiu articular demandas indígenas com um programa político na defesa da soberania nacional. Em 2000, o povo boliviano se insurgiu contra a privatização da água e em 2003, tirou da presidência Gonzalo Sánchez de Lozada, que tentou impor aumento generalizado de impostos e exportação do gás boliviano pelo Chile.]
Evo permitiu uma discussão dessas autonomias, em princípio, de maneira correta, mas quando ele percebeu que essas autonomias eram pretextos para implementar políticas separatistas, ele tentou recuar. Em algum momento, ele próprio, ele acabou defendendo a autonomia, que é para se defender a autonomia, mas não nos moldes como a oposição imagina – que é basicamente assumir funções próprias do Estado nacional, como a definição dos recursos naturais e das políticas sociais, enfim, coisas que são do âmbito do Estado nacional e não estadual.
O que a esquerda boliviana tem a ensinar à esquerda brasileira?
Romero - Acho que o ensinamento não é da esquerda boliviana para a esquerda brasileira. (O ensinamento) é dos movimentos sociais. Acho que a gente tem muitas coisas em comum. A exploração. Se bem que, com o Lula, algumas questões modificam. O que tem a ensinar? Principalmente esse espírito de entrega, abnegação, de luta, por um país, por uma sociedade mais justa e igualitária e não medir esforços para um país mais justo e soberano.
Entrevistei Carlos Cortez Romero, professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), boliviano de origem e naturalizado brasileiro, em 11 de setembro, auge dos atentados na Bolívia.
Para o professor, que esteve no referendo e acompanha de perto o processo político boliviano, é necessário pensar na luta de classes para entender os conflitos no país vizinho.
Assassinatos de camponeses, inclusive de mulheres e crianças, destruições de prédios públicos e bloqueios de estradas no leste da Bolívia, são as maneiras como opositores ao governo do indígena Evo Morales têm se manifestado nos últimos meses. Eles são contra a iniciativa de direcionar impostos para os aposentados e também são contra a nova Constituição, que prevê maior justiça social, feita no governo de Morales.
Desde 2006, quando o presidente tomou posse, as classes e etnias dominantes tentam inviabilizar mudanças democráticas. Apesar disso, Evo Morales é respaldado por 67,4% de toda a população, até das regiões opositoras – conforme referendo para confirmar sua permanência no poder, realizado em 10 de agosto último.
Por que esses protestos na Bolívia contra o governo de Evo Morales?
Romero – Na verdade, isso é fruto de uma disputa de uma questão econômica, social, de um modelo econômico. É fruto de todo um processo de resgate de uma história escrita a partir dos próprios indígenas, dos camponeses e dos novos movimentos sociais, que reivindicam a propriedade dos recursos naturais contra a oposição que tenta retomar o poder para a implementação das políticas neoliberais e para o resgate da administração dos recursos naturais.
Esses protestos ocorrem porque Evo instituiu algumas medidas de distribuição desses recursos?
Romero - Na verdade, o que os opositores alegam é que Morales teria retirado recursos dos impostos diretos dos hidrocarburos para poder financiar programas sociais que beneficiam pessoas com mais de 60 anos. Eles querem de volta esses recursos. Acontece que com a política de nacionalização das empresas petroleiras, esses estados (chamados de departamentos) recebem hoje muito mais recursos que antes. Ou seja, é um pretexto falso. Se eles recebiam 100, hoje recebem mais de 300. Não sei exatamente o montante, mas em função da nacionalização, só para você ter uma idéia, havia o pagamento de um imposto de 18%, agora foi para 80%, as altas foram extremamente significativas. Na verdade, há a tentativa de retomar a administração dessas petroleiras e/ou do próprio Estado.
A gente vê atos muito violentos, com explosão de gasodutos e depredação de prédios públicos. Como ocorrem os protestos dessa direita radical boliviana?
Romero – Pelo o que se sabe, são grupos paramilitares treinados por militares colombianos, inclusive israelitas, e têm todo o apoio dos Estados Unidos. Trata-se de tentar desgastar o governo Evo, trata-se de provocar mortes que serão creditadas na conta de Evo Morales. Por determinação de Evo, por sua concepção política e social, as forças policiais não usam armas letais. E as forças armadas só poderão fazer uso de armas numa situação extrema. Isso a partir de Evo Morales, porque na época da ditadura essas questões não existiam.
Hoje o Exército está com o Evo...
Romero – Aparentemente, sim. Tem uma declaração de um alto general das forças armadas mostrando que estão do lado de Evo Morales e não tolerarão nenhum tipo de invasão às petroleiras. Porque as petroleiras estão assentadas no território e eles são responsáveis pela preservação do território.
O Evo Morales subiu patentes de indígenas no Exército?
Romero – Acredito que tenha tido promoções, dentro de determinados critérios. Evo Morales, desde que assumiu o governo, tem se mostrado uma pessoa extremamente institucionalista, democrática e extremamente respeitosa das instituições. Não acredito que tenha havido favorecimento, até porque, ele mesmo fala, não tem nenhum general com sobrenome Maita, Quispe, os sobrenomes dos militares são sobrenomes de pessoas de etnias não indígenas.
Nos jornais a gente lê que a Bolívia é um país historicamente “instável”. O que significa isso?
Romero – Eu diria que é a radicalização da luta de classes. É uma questão que não se explica pelo referendo, pela ascensão de Evo Morales. Se explica por mais de 500 anos de exploração colonialista, depois imperialista, neoliberal... A Bolívia tem toda uma cultura revolucionária, desde a época da colônia. As novas formas de organização social expressam uma certa agudização da luta de classes. A direita boliviana não é como a direita brasileira. Ela é orgância, né? Ela não tem prepostos, ela própria atua.
[O MAS, Movimento aL Socialismo, do qual participa Morales, é um partido/sindicato/movimento que nasceu como um “instrumento político” em meados dos anos 1990 e conseguiu articular demandas indígenas com um programa político na defesa da soberania nacional. Em 2000, o povo boliviano se insurgiu contra a privatização da água e em 2003, tirou da presidência Gonzalo Sánchez de Lozada, que tentou impor aumento generalizado de impostos e exportação do gás boliviano pelo Chile.]
Evo permitiu uma discussão dessas autonomias, em princípio, de maneira correta, mas quando ele percebeu que essas autonomias eram pretextos para implementar políticas separatistas, ele tentou recuar. Em algum momento, ele próprio, ele acabou defendendo a autonomia, que é para se defender a autonomia, mas não nos moldes como a oposição imagina – que é basicamente assumir funções próprias do Estado nacional, como a definição dos recursos naturais e das políticas sociais, enfim, coisas que são do âmbito do Estado nacional e não estadual.
O que a esquerda boliviana tem a ensinar à esquerda brasileira?
Romero - Acho que o ensinamento não é da esquerda boliviana para a esquerda brasileira. (O ensinamento) é dos movimentos sociais. Acho que a gente tem muitas coisas em comum. A exploração. Se bem que, com o Lula, algumas questões modificam. O que tem a ensinar? Principalmente esse espírito de entrega, abnegação, de luta, por um país, por uma sociedade mais justa e igualitária e não medir esforços para um país mais justo e soberano.
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