Pe Gunther Zgubic faz parte da coordenação nacional da Pastoral Carcerária, área social da Igreja Católica de defesa dos direitos de presos e presas. Nascido na Áustria, ele vive no Brasil há 17 anos. Trabalhou em favelas no Jardim Ângela em São Paulo e com moradores de rua.
Idealizador do tema “violência” da Campanha da Fraternidade de 2009, organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Pe Gunther Zgubic falou comigo sobre segurança pública, ao telefone.
Para ele, a população deve começar a agir e cobrar mais justiça social e uma política de segurança preventiva, voltada à integração comunitária.
1) Muitos programas de programas de TV pedem pena de morte, redução da idade penal etc. Para eles, e para a maioria da população, o problema do crime é a falta de repressão. Mas, ao invés de recuperar o preso, as prisões são freqüentemente lugares onde se incita ao crime e à violência. Como quebrar esse círculo vicioso?
Acho que com outro discurso, talvez. Eu acho que a população, em verdade, não quer tanto a morte, mas segurança de vida como direito para todos.
Dessa forma, eu espero que se possa sair desse discurso de “vocês só defendem bandidos e não olham para as vítimas”. Se nós não queremos o ódio (o ódio sempre vai criar círculo vicioso), nós precisamos ver que existem outras soluções. As outras soluções têm resultados mais convincentes do que a pura repressão. E isso agora é fato.
Onde a segurança pública (de vida) melhorou foi onde começou um trabalho de toda uma justiça social, mas também um trabalho comunitário.
2) Sabemos que no Brasil só vai para a cadeia o chamado “ladrão de galinha”. Entretanto, os crimes de colarinho branco (corrupção, desvios de verbas nas altas esferas), são os que trazem as conseqüências mais trágicas para a nossa sociedade, como fome, desemprego, falta de assistência à saúde, analfabetismo, recessão da economia... É possível ter paz sem igualdade e justiça social?
Em um mesmo sistema econômico, cada país tem uma injustiça social mais ou menos ruim. Mas você tem num mesmo país, na mesma população, por exemplo, numa favela ou num município (incorporado a outro) menos crimes, menos violência que no outro.
Você tem o Jardim Ângela de Diadema, em São Paulo. Aquele era o município com mais violência no Brasil. E dentro de sete anos se reduziu o número de homicídios e outros problemas em 70%. Você tem outros bairros com a mesma economia em São Paulo...
Agora, vem a questão: porquê? Porque se aplicou um outro modelo de segurança pública. E esse modelo não se baseou na repressão como resposta da segurança pública para caçar criminoso. A justiça social é importantíssima. Mas o tema segurança pública tem uma pauta própria que inclui muitos aspectos, até a justiça social. Não se pode reduzir um tema próprio a outros que lhe estão associados.
O sistema de segurança pública é tratado como um modelo de cima para baixo. É responsabilidade só do Estado. Aí já estamos numa imposição de cima para baixo, numa visão que não é democrática, e numa falta de colaboração dos moradores.
Se nós queremos uma democracia participativa, planejamento estratégico participativo, então, os próprios moradores, os próprios grupos afins, por exemplo, uma fábrica, qualquer grupo deve ser trabalhado de forma própria.
Em São Paulo há diversos bairros em que os crimes, de bairro para bairro, são diferentes. No centro da cidade você tem pequenos furtos e narcotráfico, em outros bairros, mais homicídios ou furtos de carros. Então, o segredo em toda a melhora é um trabalho de conjunto.
Os moradores devem se unificar, unir, e a situação deles deve ser ouvida. Para matar ou tentar um novo modelo. Os Consegs, os conselhos da polícia em São Paulo, eram tipicamente assim: os comerciantes pagavam para a polícia matar as crianças de rua, por exemplo. Esse modelo já conhecemos e nada melhorou. (...)
Se você quiser uma polícia que não maltrate o povo, você tem que ter uma polícia comunitária. Temos conquistas no Brasil que se chamam: polícia comunitária, justiça preventiva e comunitária e pena como serviço comunitário. Na escola não podemos esperar ver um ou outro aluno começar com brutalidade. Sabemos que tem problema familiar ali. Essas famílias precisam ser acompanhadas. Isso é bem diferente de matar, bater ou prisão.
Se você tem uma política de observação, além das políticas sociais, você tem uma forma de mediação do conflito.
Um promotor da infância e adolescência tem, em Santo André, programas na escola. Ocorreu um problema grave na escola, a comunidade escolar com os professores, pais e também a justiça e a polícia comunitária.
Mas não é para punir, com vingança e ódio.
Em Diadema todos os funcionários municipais foram treinados em mediação de conflitos. Acho que não deveria ser somente funcionários do Estado, mas lideranças comunitárias fazerem um treino em conjunto, inclusive para a polícia aprender a experiência dos próprios moradores. Tem muitas medidas da linha da polícia comunitária, justiça comunitária e pena comunitária. São três grandes reformas que o sistema da segurança pública precisa.
3) A não-violência significa passividade diante das injustiças?
É o contrário.
É uma não-violência ativa que não aceita uma série de injustiças e falta de respeito, mas que se organiza.
A comunidade está ali. Cobra. Aperta. Coloca limites.
Enquanto polícia só correr de carro e não tiver um relacionamento personalizado porque não pertence à comunidade, enquanto todo mundo tiver medo polícia por sua brutalidade, a coisa não melhora.
Um comentário:
também acho que a segurança pública devia outro modelo.
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