o pauloleminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau a pedra
a fogo a pique
senão é bem capaz
o filhadaputa
de fazer chover
em nosso piquenique
(Caprichos e Relaxos)
Depois de 20 anos de sua morte, o poeta e escritor paranaense ainda chove em nosso piquenique.
Saiba por que, ainda hoje, o poeta polaco mulato paranaense, o cachorro louco da nossa literatura, atrai a atenção de jovens leitores.
Nome definitivo na literatura brasileira, Paulo Leminski faleceu em 07 de junho de 1989, há exatos 20 anos, em Curitiba, vítima de cirrose hepática.
Ao contrário do que acontece em uma sociedade de “celebridades”, o fim da vida de Leminski, marcada por uma constante paixão pela linguagem, não esfriou o grande interesse pela sua obra.
O biógrafo do poeta, Toninho Vaz, garante: o interesse sobre a vida e obra de Paulo Leminski continua crescendo.
O bandido que sabia latim
Biografia lançada em 2001 pela Editora Record, “O bandido que sabia latim” (do jornalista e amigo de Leminski, Toninho Vaz) entrou em sua 3ª.edição em maio, perfazendo o total de 8 mil exemplares. Extra oficialmente, a biografia é um dos livros mais acessados através de download grátis em sites de busca na internet.
Apesar desse grande interesse pela vida intensa de Leminski, Toninho Vaz percebe que a atração é mais direcionada ao valor da obra que a questões folclóricas da figura “bandida” do artista.
“Os jovens querem saber se ele realmente tinha valor, se sua poesia se sustenta como obra e não como nuvem passageira”, diz Toninho, com agenda cheia de palestras.
“Acontece que o Leminski era um sujeito autêntico e um verdadeiro poeta – não vai ser em toda esquina que você vai encontrar isso”, afirma.
nunca quis ser
freguês distinto
pedindo isso e aquilo
vinho tinto
obrigado
hasta la vista
queria entrar
com os dois pés
no peito dos porteiros
dizendo pro espelho
_ cala a boca
e pro relógio
_ abaixo os ponteiros
As mil faces do poeta
Leminski transitou por diferentes áreas da linguagem e rompeu barreiras da literatura tradicional.
Publicitário, tradutor, professor de cursinho, compositor de música popular (teve parceria com Moraes Moreira, Caetano Veloso e Guilherme Arantes entre outros) e até colunista de TV (participava de um programa chamado Jornal de Vanguarda, na Bandeirantes, em 1988 http://www.youtube.com/watch?v=ZkS3LzXGIk0&feature=related
www.youtube.com/watch?v=V7ZManYbmp0), Leminski mergulhou na poesia e na prosa estilhaçando preconceitos e estabelecendo novos parâmetros para a criação literária no país.
Como romancista, publicou “Catatau” (1975) e “Agora que são elas” (1984). Na poesia, publicou “Não fosse isso e era menos. Não fosse tanto e era quase”(1980), “Caprichos & Relaxos”(1983) e “Distraídos Venceremos”(1987). Para o público infanto-juvenil, fez “Guerra dentro da gente” (1986).
Polilíngue, traduziu livros como “Pergunte ao pó”, de John Fante, “O supermacho”, de Alfred Jarry, “Satiricon”, de Petrônio, “Um atrapalho no trabalho”, de John Lennon e “Malone morre”, de Samuel Beckett.
Judoca faixa-preta, traduziu os japoneses Yukio Mishima (1925-1970), Matsuo Bashô (1644-1694) e ainda se arriscou na forma dos haicais (poemas curtíssimos que tradicionalmente trazem uma imagem sobre uma estação do ano com uma métrica definida, o que não era seguido por Leminski necessariamente).
Para Caetano Veloso, “Leminski foi o poeta mais apaixonado e o escritor mais intenso de sua geração”.
POESIA: 1970
Tudo o que eu faço
Mal rabisco,
Leminski é novidade hoje
O datado de Leminski é mais importante do que 99% do que se escreve hoje, diz o poeta Régis Bonvicino
Bonvicino era amigo pessoal de Leminski e reuniu e lançou cartas remetidas a ele de 1976 a 1981 sob o título “Envie meu dicionário – Cartas e alguma crítica” (1999), livro que forma um retrato das concepções poéticas de Leminski na época.
“Para citar outros paranaenses: para cada Josely Vianna Baptista e ou para cada Wilson Bueno, surgem milhares de poetas amadorísticos e desnecessários. Leminski é um nome definitivo da literatura brasileira, como Dalton Trevisan, por exemplo. E no Brasil tudo caiu a partir dos anos 1990 e então o que ele fez se sustenta até como novidade ainda”, afirma.
De acordo com Bonvicino, Paulo Leminski veio em seguida à última geração que teve projeto literário (obra e visão convertida em trabalhos pela e para a literatura), a de Gullar, de Augusto de Campos, de Décio Pignatari. “Ele, Torquato Neto e Ana Cristina César são os únicos -- depois dessa geração que menciono -- a terem uma visão de estado da literatura”, ou seja, a realizarem uma reflexão sobre a linguagem, a abrir “picadas” que precisariam continuar sendo abertas hoje, na sua opinião.
moinho de versos
vai vir o dia
Vida inteira de poesia foi intensa para o polaco mulato chamado Leminski.
Paulo Leminski Filho – tinha o mesmo nome do pai – nasceu em 24 de agosto de 1944, em Curitiba.
Filho primogênito de um sargento do exército, Leminski insistia em se apresentar como mestiço de polonês (por parte de pai) e negro (por parte de mãe).
Infância
_ frita, ovo!
_ pinga, pia!
E tudo obedecia
Aos treze anos, estudando no Colégio Paranaense (marista), decidiu se tornar monge e, levado pelo pai, internou-se no Mosteiro de São Bento, em São Paulo.
abrindo um antigo caderno
foi que descobri
antigamente eu era eterno
Com alguns colegas, tinha atitudes ousadas, como, por exemplo, conhecer todas as salas proibidas e andar sobre o telhado do mosteiro nas madrugadas.
nunca sei ao certo
certezas o vento leva
Juventude
De volta a Curitiba, Leminski passou no vestibular em Direito na Universidade Federal do Paraná e em Filosofia (Letras) na Católica.
isso de querer
que a gente é
ainda vai
nos levar além
Maturidade
Com o passar do tempo, a completa identificação com a poesia concreta foi se desfazendo. Ele passaria a refletir que só a preocupação com a forma não bastava para a poesia.
Contados por Alice Ruiz, os últimos dias de vida do poeta:
2 de junho de 1989 (The shadow of your smile)
Você me liga mais triste do que de costume. Me diz teu último poema. Falamos da felicidade. Você pergunta da minha. Digo, como Borges, “que hay tantas otras cosas en la vida” além da felicidade. Você me diz que ela ficou na Cruz do Pilarzinho, que felicidade para você is just memories. Eu canto, “memories, make it beautiful as yet”, tentando ainda ser leve, mas você me interrompe chorando, e eu, mesmo sem querer, choro também.
6 de junho de 1989 (se houver céu P.L.)
Estranho você não ter ligado nos últimos dias. De tarde, no trabalho, perco a consciência, desligo de repente e é como se sonhasse com você. Apenas te vejo, sorrindo, nítido como se estivesse mesmo ali. Acordo com o peito oprimido e um gosto de adeus na boca.
(Publicado em Memórias de Vida, Curitiba, 23 de agosto de 1989, Fundação Cultural, Prefeitura Municipal de Curitiba)
nada foi
feito o sonhado
mas foi benvindo
feito tudo
fosse lindo.
Arte por Leminski e
Leminski pela arte
Trechos de entrevista a Almir Feijó, revista Quem (1978, Ctba) mostra concepção poética do artista.
Poesia concreta: “[...] pode-se dizer que talvez ninguém mais esteja fazendo poesia concreta no Brasil mas a poesia concreta é a grande influência sobre a poesia que se faz no Brasil.” [...] No caso brasileiro influenciou até a música popular. Influenciou desde Chico Buarque, que diz “pedro pedreiro”.O Caetano é um dos melhores poetas concretos do país. Um poeta que diz: “Quero ver Irene rir. Quero ver Irene dar sua risada.” A sensibilidade de Caetano é uma sensibilidade naturalmente concreta.”
“A grande mensagem da poesia concreta foi a materialidade da linguagem.”
Linguagem: “Chego mesmo a dizer que a literatura é o principal inimigo da poesia. O papel da poesia é se desvencilhar da literatura, e procurar a companhia de outras artes, como o desenho, a fotografia ou a música.”
Arte “engajada”: “ Esse movimento, encarnado pelos CPCs [Centros Populares de Cultura], pela figura de Ferreira Gullar e Thiago de Mello, eles canonizam um tipo de poesia que é uma poesia discursiva, retórica, uma poesia demagógica e no fundo, cristã. Apelativa, sentimentalóide, quando se pretende contundente politicamente e enquanto denunciando as mazelas sociais aqui e ali”.
Engajamento na arte: “[...] o front na forma, é ali que deveria ser exercido (o discurso de mudança) realmente. No Brasil foi feita essa dissociação que é promovida por muita gente e eu desconfio que por detrás dela há, inclusive, os interesses comerciais de muitas casas [...] Acho muito suspeito quando vejo que os poetas ditos políticos defendem as mesmas coisas que os comerciantes.”
“A posição que eu escolhi é para ser uma espécie de oposição na linguagem, permanente.”
lembrem de mim
como de um
que ouvia a chuva
como quem assiste missa
como quem hesita, mestiça,
entre a pressa e a preguiça.
Um comentário:
Em 2006 participei como ouvinte da segunda edição do Londrix (Festival de Literatura de Londrina), até então eu desconsiderava a importância de Leminski, lembro que a temática era "literatura de margem".
Postar um comentário