sábado, 28 de julho de 2007

As razões do equilíbrio fiscal


(Correio Popular - Opinião - 09 de agosto de 2007)

São freqüentes as declarações do governo federal de que as contas públicas estão sólidas e, portanto, não temos razão para nos preocupar com instabilidades do mercado internacional, como a crise imobiliária que atingiu os EUA na semana passada. Em 12 de julho, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou durante audiência pública que a solidez é tanta que até 2009 o país terá déficit nominal zero. Segundo o ministro, o déficit zero será alcançado com a redução das despesas com o pagamento dos juros e a continuidade da política monetária do Banco Central.

O que significa a expressão “déficit nominal zero”? Para a maioria, um sintagma bastante atraente. Quem sabe, atingiríamos em dois anos o cume da independência econômica e, assim, os problemas decorrentes da excessiva valorização cambial, do peso dos juros da dívida pública, dos efeitos contracionistas das metas de inflação, do desemprego e da falta de investimento em saúde, saneamento e educação teriam um merecido fim.

Recepcionada pelo presidente, a proposta de Delfim Netto, ex-ministro do regime militar e considerado atual conselheiro do governo, trata de fazer que receita menos despesa (incluindo o gasto com juros) dê zero. Uma conta acertada e correta, não fossem as medidas empregadas e os efeitos de tal política.

Delfim preconiza um rigoroso ajuste fiscal: pelo lado da redução de despesas, apregoa o déficit zero através do que chama de “choque de gestão” na área social (o que se expressa em menos investimento em educação e saúde pública) e das reformas previdenciária e trabalhista (ambas visando retirada de direitos) e, pelo lado da receita, indica uma crescente arrecadação tributária, com a prorrogação da CPMF e da DRU (Desvinculação de Recursos da União). Além disso, ainda em relação a DRU, aconselha o aumento dos atuais 20% para 35% da parcela do orçamento que cada área deve se abster para que o governo utilize como quiser. Diga-se de passagem, é fato que o governo, alegando melhor alocação de recursos, tem demonstrado um apreço especial aos poucos que recebem os juros mais altos do mundo...

Portanto, a idéia do déficit zero é que os tributos pagos pela população sejam retirados da economia real e transferidos a especuladores – sem contrapartida, pois, estes últimos, por não se lançarem em grandes investimentos produtivos, não geram empregos nem contribuem para o crescimento econômico.

A matemática de equilibrar receitas e despesas é fácil, porém essa equação tem como resultado a desigualdade. O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Marcio Pochmman, mostra-nos que enquanto a arrecadação dos impostos vinculados a gastos sociais (como a CPMF, originalmente criada para complementar o orçamento da Saúde) teve aumento de 40,7% a partir de 1995, o gasto social real cresceu apenas 23,8%. Ao contrário do que muitos pensam, o Estado deveria gastar mais, isto é, aplicar uma política fiscal de ampliação do nível de investimento e aumento da tributação sobre os ricos, juntamente com o corte gradual de juros.

John Kenneth Galbraith, importante economista falecido no ano passado, em entrevista a uma jornalista francesa em 1978, explica o conceito de política fiscal ao afirmar que, em situação de desemprego, o governo deve diminuir impostos para criar demanda, ou seja, deve aquecer o mercado através de uma carga tributária menor, permitindo que o povo tenha maior renda para gastar, gerando lucros e daí mais empregos. Questionado sobre a incompatibilidade do equilíbrio das contas com a política fiscal e interrogado sobre as razões que levam os políticos a prometerem orçamentos equilibrados, Galbraith dá a seguinte resposta (que nos leva a pensar que Economia é um negócio bem complicado mesmo): “ Eles [prometem o equilíbrio e] também apregoam a verdade, a fidelidade conjugal, impostos menores, eficiência administrativa do governo, paz e inviolabilidade da maternidade. É uma virtude convencional... coloca as pessoas no mesmo plano dos santos e em oposição a Satã, só que não tem nenhum sentido prático” (A Economia ao Alcance de Quase Todos, Pioneira, 1981).

Quaisquer sejam as razões para a defesa do déficit zero (se é psicologicamente mais simples crer no equilíbrio ou se culturalmente levamos a honradez do cumprimento dos compromissos para a esfera macroeconômica), as mais importantes são as que interessam aos poucos que vão ganhar com ela. Àqueles que tomam as decisões por milhões de brasileiros que, tristemente, acreditam que a condição precária e frágil da atividade que lhes dá sustento deriva de (toda e somente) sua culpa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Mariana! Parabéns pelo artigo! traduz de fato o que realmente aconte na elabõração das peças de planejamento dos órgãos públicos.