sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Visão hegemônica do gasto público

(Correio Popular - Opinião - 16 de novembro de 2007)

A idéia de que o Estado tem recursos, mas gasta mal, é hegemônica. A (mais) recente crise na saúde no Nordeste e, ao mesmo tempo, a bastante provável prorrogação da CPMF - criada originalmente para essa área - fazem supor que os altos impostos pagos pela população não melhoram os serviços públicos básicos. O mau gerenciamento da máquina - que inclui o gasto com pessoal e com a previdência - é citado como causa dos problemas financeiros do país. Um "mensalão oculto" que, apesar de ter menos repercussão que os escândalos do Planalto, levaria as contas para o brejo.

Embora pareça uma afirmação correspondente à realidade, a ineficiência no uso do dinheiro público não é o ponto central dos nossos infortúnios. Na verdade, não há recursos para a saúde, educação, transporte, habitação... e a razão é o excessivo gasto com os juros da dívida, pagos com até 20% do orçamento de cada área (permitida pela Desvinculação de Recursos da União), em um cenário de crescimento econômico baixíssimo. A taxa média de elevação do PIB entre 1948 e 1981 foi de 7,1%, enquanto de 1982 a 2006 foi de apenas 2,5%.

Jornalistas, economistas e acadêmicos costumam apontar a transferência de renda da União feita aos pobres, através dos investimentos sociais, como culpada pela má gestão governamental. Para modernizar o elefante branco que seria o Estado, dizem ser necessário reduzir gastos com benefícios previdenciários,
alocar recursos na saúde e educação e, muitas vezes, privilegiar entidades não-governamentais que imprimiriam mais agilidade e transparência aos serviços.

Tais especialistas, bastante atentos, curiosamente esquecem das transferências feitas àqueles que têm dinheiro, através de juros. Em 2006, o governo destinou ao saneamento e à saúde,
esta sendo um dos maiores orçamentos da área social, cerca de R$ 39,8 bilhões. Já com juros e encargos da dívida, valores destinados a uma pequena elite financeira, o gasto foi bem maior: R$ 151,16 bilhões.

Esses profissionais não se lembram também que o crescimento econômico (gerador de emprego e renda) é imprescindível para sustentar a ampliação de gastos na área social, ainda que os impostos arrecadados sejam absurdamente elevados. Quando mencionam o crescimento não advogam pela queda da taxa de juros - que possibilitaria a expansão do crédito para novos investimentos produtivos privados - nem por um real e maciço investimento estatal em setores básicos e de infra-estrutura.

Como instrumentos de divulgação de ideologias, o corpo técnico de entidades multilaterais como Banco Mundial (BIRD) e Fundo Monetário Internacional (FMI), economistas de grandes instituições financeiras, funcionários de grandes veículos de comunicação financiados pela publicidade de multinacionais e bolsistas de programas científicos e culturais, promovidos por países centrais, são pagos para elaborar teses que acabam por ser aceitas passivamente pela opinião pública.

Na nova ordem da globalização, virou moda ter a convicção que a ação estatal deve ser reduzida. O Estado mínimo é indicado aos países periféricos (não se imagina o enfraquecimento da superpotência norte-americana) para que grandes empresas e o capital financeiro internacional possam transitar livremente e não sejam submetidos a nenhuma regulamentação contrária a seus interesses. A idéia, percebida como neutra, desejável e necessária, induz a equívocos que dão sustentação a políticas nocivas ao país.

Da década de 1930 até o fim dos anos 1970, o Estado teve o papel fundamental de financiar e realizar empreendimentos de infra-estrutura que fizeram o Brasil passar de um país rural para uma sociedade urbana de massas - em setores onde o capital privado não se lançaria devido à grande monta envolvida e ao longo tempo de maturação. Assim, houve ascensão social de significativa parte da população brasileira. Embora um dos maiores índices de desigualdade do mundo tenha se mantido, o povo tinha a perspectiva de ter uma vida melhor que a de seus pais.

Depois de quase trinta anos de semi-estagnação e ataque contra a função social do Estado (em 1950 sua importância para o desenvolvimento do país não era discutida), vivemos uma regressão social sem precedentes. O ensino no Brasil é avaliado como um dos piores, nunca há vagas no mercado de trabalho e os filhos da classe média são obrigados a viver da renda dos familiares, cada vez mais empobrecidos. Tudo isso porque o Estado tem se eximido da responsabilidade de promover o crescimento econômico, através de efetiva redução de juros, pois não se dispõe a contrariar interesses do capital financeiro nacional e internacional. Se o fizesse, poderia ampliar os gastos de forma a assegurar padrões civilizados de relações sociais.

Em suma, em uma sociedade esfacelada, onde os termos "soberania" e "projeto nacional" tornaram-se ultrapassados, reina a violência, a ignorância e, aos desavisados, a manipulação.

Há pouco tempo foi publicado um artigo que toca nessa questão: "Transferência de renda aos ricos e pobres no Brasil - Notas sobre os juros altos e o Bolsa-Família", encontrado em www.eco.unicamp.br/cesit/boletim, dos professores Davi José Nardy Antunes e Denis Maracci Gimenez, da Unicamp. Para eles, os gastos governamentais são atacados "como se estivesse sendo realizada uma verdadeira orgia com os gastos públicos" quando, ao invés de cortes, deveriam ser feitos investimentos em infra-estrutura, treinamento e melhores salários aos servidores para eliminar os desperdícios que realmente existem e para melhorar a gestão e a administração pública.

2 comentários:

estevam scuoteguazza disse...

Muito bem!!

Anônimo disse...

Concordo plenamente contigo. E mais, o governo continua dentro de uma lógica de crescimento no qual se empresta dinheiro público a fundo perdido para grandes empresas, bancos e empreiteiras, enquanto que areas que beneficiariam a maioria de nossa população continuam tendo que realizar empréstimos e fazer financiamentos que não tem nenhum caráter público e social.

Agui.