Ele me dizia sempre o que era viver melhor. Não me refiro a Jacob do Bandolim, para o qual seu filho Sérgio Bittencourt fez "Naquela mesa", mas a meu pai, que além das histórias contadas e conselhos oferecidos ao som de um bom samba e de uma cerveja gelada, deixou-me por escrito notas sobre sua juventude.
Agora, nem sei onde está a mesa, se vazia ou não. Resta a impressão, sem data, de um texto de muito valor para mim. Coloco-o na íntegra aqui para que, caso inventem a máquina da felicidade, a que faz voltar o tempo, possam os moços ter um roteiro para desfrutar os anos 1960 na capital paulista.
Por Israel Garcia Alves
"Insone, é madrugada e já estou de saco cheio...
Olho ao meu redor, acendo o abajour quebrado, pego a revista que está na banqueta ao lado e me animo a dar uma olhada. Trata-se de Caros Amigos de maio de 2004, leio a crônica Paulicéia do Emir Sader, acho-a interessante e me disponho a acrescentar algumas passagens da minha vida que talvez venham a justificar esse meu desconforto (acho que passageiro). À citação do ilustre jornalista, acrescentaria ainda a Avenida Ipiranga, Rua 24 de Maio, Praça Pedro Lessa e Avenida São João e tantas outras. Gostaria de relembrar especificamente a época dos bailes de formatura, onde os clubes com seus lindos eventos abrilhantavam noites inesquecíveis, embaladas pelas Orquestras de Waldomiro Lemke, Los Guarachos, Pocho, Portinho, Simonetti, Nelson de Tupã, Erlon Chaves e outras mais, para onde, em traje à rigor, inclusive com cordãozinho preto no pescoço, sapatos Bibo nos pés (comprados na Praça Clóvis Beviláqua), partíamos para a noite cheia de emoções regadas a Cuba-Libre e Ray Fay, nos clubes Home, Palácio Mauá, Professorado Paulista, Ipiranga e outros acabando sempre com a "saideira" na Liberdade, onde às 6h da manhã tomava o bonde Ponto Fábrica, com destino ao Ipiranga, local de minha residência.
Veio-me à lembrança ainda as casas noturnas da época encabeçadas pelo Quinta Avenida (onde se dançava com cartão) Melika, Castelinho, Som de Cristal, Badaró, Guarany e outras tantas. A "Boca do Lixo", situada entre a Av. São João e a Estação da Luz, era o local mais freqüentado, com seus hotéis e quantidade enorme de prostitutas, local que tinha seus encantos naquela época, pois não havia tanta violôncia e não se ouvia falar em drogas. A "Boca do Luxo" (assim a chamavam) era localizada nas Ruas Paim e Avanhandava, local de prostituição para a elite. Não sei se o Pingão, com suas batidas e lingüiças calabresas, continua ainda no lindo Largo do Arouche, cheio de flores, que conheci; se a Rua Monteiro, onde comprei meu primeiro tecido de casemira e o Juca Pato estão ainda na Rua Santa Tereza (e se ela mesma ainda está); se o Restaurante Guanabara na Rua Boa Vista, onde meu gerente da Cia. de Seguros, João Balas, ia saborear o melhor chopp de São Paulo, continua em atividade. Qualquer dia desses, me animo e vou para São Paulo, diretamente à Avenida São João, num sábado de madrugada, precisamente às 4h, para ver se encontro ainda aberto o Papai, agora já sem a companhia da voz e dele próprio Noite Ilustrada, para ouvir "Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima".
São tantas coisas que me é impossível relembrar todas as passagens de minha vida, mas não posso deixar de registrar o carinho e a amizade que tive e tenho pelo amigo Zelão, que me ensinou o caminho de como aproveitar a vida, desde a época das perseguições políticas no Largo São Francisco, onde havia quebra-quebra todos os dias em frente à Faculdade XI de Agosto e Banco de La Nación Argentina, onde trabalhávamos numa Cia. de Seguros no número 34 daquele Largo. Lembro-me do dia 31 de março de 1964, estávamos no Áurea's Bar do Zico, na Rua Guaianazes, quando estourou a revolução e por ordem dos soldados do exército fomos obrigados a levantar os braços, deixando no chão o Dario, cabelereiro do Tremembé. Até hoje não sei se agradeço ao Zelão ter me levado para sua casa no Tremembé naquela noite, pois, na verdade, não ouvi sequer um tiro da revolução fajuta ou o mais certo é que estivesse embriagado.
Se pudesse voltar aos meus dezoito anos, gostaria de pegar minha calça branca, sapato branco e minha camisa vinho de buclê e ir todo contente para um baile de carnaval no Arakan...
Minha filha, faça o que tiver vontade, aproveite e viva intensamente. Procure não dormir muito para ficar mais tempo acordada.
Você não pode imaginar o amor que sinto por você e o tamanho do orgulho que tenho por meus filhos, Pai."
Glossário a ser feito. Visitas e respostas às perguntas relacionadas aos lugares citados também.
Zelão, onde está o Sr? Gostaria de conhecê-lo!
Agora, nem sei onde está a mesa, se vazia ou não. Resta a impressão, sem data, de um texto de muito valor para mim. Coloco-o na íntegra aqui para que, caso inventem a máquina da felicidade, a que faz voltar o tempo, possam os moços ter um roteiro para desfrutar os anos 1960 na capital paulista.
Por Israel Garcia Alves
"Insone, é madrugada e já estou de saco cheio...
Olho ao meu redor, acendo o abajour quebrado, pego a revista que está na banqueta ao lado e me animo a dar uma olhada. Trata-se de Caros Amigos de maio de 2004, leio a crônica Paulicéia do Emir Sader, acho-a interessante e me disponho a acrescentar algumas passagens da minha vida que talvez venham a justificar esse meu desconforto (acho que passageiro). À citação do ilustre jornalista, acrescentaria ainda a Avenida Ipiranga, Rua 24 de Maio, Praça Pedro Lessa e Avenida São João e tantas outras. Gostaria de relembrar especificamente a época dos bailes de formatura, onde os clubes com seus lindos eventos abrilhantavam noites inesquecíveis, embaladas pelas Orquestras de Waldomiro Lemke, Los Guarachos, Pocho, Portinho, Simonetti, Nelson de Tupã, Erlon Chaves e outras mais, para onde, em traje à rigor, inclusive com cordãozinho preto no pescoço, sapatos Bibo nos pés (comprados na Praça Clóvis Beviláqua), partíamos para a noite cheia de emoções regadas a Cuba-Libre e Ray Fay, nos clubes Home, Palácio Mauá, Professorado Paulista, Ipiranga e outros acabando sempre com a "saideira" na Liberdade, onde às 6h da manhã tomava o bonde Ponto Fábrica, com destino ao Ipiranga, local de minha residência.
Veio-me à lembrança ainda as casas noturnas da época encabeçadas pelo Quinta Avenida (onde se dançava com cartão) Melika, Castelinho, Som de Cristal, Badaró, Guarany e outras tantas. A "Boca do Lixo", situada entre a Av. São João e a Estação da Luz, era o local mais freqüentado, com seus hotéis e quantidade enorme de prostitutas, local que tinha seus encantos naquela época, pois não havia tanta violôncia e não se ouvia falar em drogas. A "Boca do Luxo" (assim a chamavam) era localizada nas Ruas Paim e Avanhandava, local de prostituição para a elite. Não sei se o Pingão, com suas batidas e lingüiças calabresas, continua ainda no lindo Largo do Arouche, cheio de flores, que conheci; se a Rua Monteiro, onde comprei meu primeiro tecido de casemira e o Juca Pato estão ainda na Rua Santa Tereza (e se ela mesma ainda está); se o Restaurante Guanabara na Rua Boa Vista, onde meu gerente da Cia. de Seguros, João Balas, ia saborear o melhor chopp de São Paulo, continua em atividade. Qualquer dia desses, me animo e vou para São Paulo, diretamente à Avenida São João, num sábado de madrugada, precisamente às 4h, para ver se encontro ainda aberto o Papai, agora já sem a companhia da voz e dele próprio Noite Ilustrada, para ouvir "Levanta, sacode a poeira e dá volta por cima".
São tantas coisas que me é impossível relembrar todas as passagens de minha vida, mas não posso deixar de registrar o carinho e a amizade que tive e tenho pelo amigo Zelão, que me ensinou o caminho de como aproveitar a vida, desde a época das perseguições políticas no Largo São Francisco, onde havia quebra-quebra todos os dias em frente à Faculdade XI de Agosto e Banco de La Nación Argentina, onde trabalhávamos numa Cia. de Seguros no número 34 daquele Largo. Lembro-me do dia 31 de março de 1964, estávamos no Áurea's Bar do Zico, na Rua Guaianazes, quando estourou a revolução e por ordem dos soldados do exército fomos obrigados a levantar os braços, deixando no chão o Dario, cabelereiro do Tremembé. Até hoje não sei se agradeço ao Zelão ter me levado para sua casa no Tremembé naquela noite, pois, na verdade, não ouvi sequer um tiro da revolução fajuta ou o mais certo é que estivesse embriagado.
Se pudesse voltar aos meus dezoito anos, gostaria de pegar minha calça branca, sapato branco e minha camisa vinho de buclê e ir todo contente para um baile de carnaval no Arakan...
Minha filha, faça o que tiver vontade, aproveite e viva intensamente. Procure não dormir muito para ficar mais tempo acordada.
Você não pode imaginar o amor que sinto por você e o tamanho do orgulho que tenho por meus filhos, Pai."
Glossário a ser feito. Visitas e respostas às perguntas relacionadas aos lugares citados também.
Zelão, onde está o Sr? Gostaria de conhecê-lo!
Um comentário:
Também amo São Paulo. Ainda acho possível se divertir muito e conhecer muita gente bacana e interessante nesse lugar. Cada vez mais me pergunto o que estoy fazendo neste pasto. Preciso ir embora daqui o mais rápido possível, direto para ops anos 60. Como ves também sou uma pessoa nostálgica.
Postar um comentário