segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Crise econômica internacional - Entrevista prof. Denise Lobato Gentil (UFRJ)

A crise econômica internacional começou com a inadimplência de tomadores de financiamento imobiliário nos EUA, no meio do ano passado. Uma bola de neve foi se espalhado. O movimento partiu das financeiras, que venderam os papéis dessas dívidas, a todo o sistema financeiro internacional. Os especuladores estão fugindo dos riscos (as bolsas caem). E, com medo, hoje ninguém quer emprestar.

No sistema capitalista, o crédito é o motor que possibilita novos investimentos e novos empregos. Nessa crise de retração do crédito, nenhum país está completamente a salvo, apesar de certo discurso de que estaríamos imunes.

Entrevistamos Denise Lobato Gentil, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Para ela, haverá mais desemprego e perda do poder de compra dos salários. O governo poderia até agir para reduzir os efeitos da crise, mas deveria atuar rápido.

Por outro lado, a professora diz que a crise pode abrir novas perspectivas para os(as) trabalhadores(as), que sempre pagaram a conta no sistema capitalista.


Menos emprego e salário

1. De que forma a crise econômica internacional mexe com o bolso do trabalhador no Brasil?
Como a economia mundial passará por uma desaceleração, o efeito inicial será de redução de postos de trabalho no setor exportador. Mas, se o governo reagir com rapidez e tomar as medidas de política econômica adequadas, o dinamismo do mercado interno poderá compensar, pelo menos em parte, essa perda de emprego imediata. Medidas como redução dos juros, maior oferta de crédito aos produtores e consumidores, redução de impostos em setores estratégicos, aumento das compras do governo e das transferências de renda da previdência e do programa bolsa família podem ter poderosos efeitos para evitar que a crise atinja o país de uma forma muito severa. O governo precisa sinalizar para os empresários e para toda a sociedade que fará o que for necessário para assegurar a manutenção do emprego dos brasileiros.

Outro problema para os trabalhadores é que a desvalorização cambial vai fazer os preços subirem e isso reduzirá o poder de compra dos salários. Num período de baixo dinamismo econômico e elevação de custos de produção, vai haver pouco espaço para reivindicar reposição de perdas com a inflação. Mas, de novo aqui, há como contornar o problema, se houver política de intervenção no mercado para controlar o câmbio e, no limite, impor controles sobre a saída de dólares do país.


2. O governo brasileiro tem anunciado medidas para combater a crise? Como as medidas a serem tomadas podem afetar os trabalhadores?
Para evitar a crise do setor exportador, o governo está usando parte das reservas internacionais do país para serem utilizadas por bancos que financiam o comércio exterior brasileiro. Também determinou que o BNDES libere mais R$ 5 bilhões para linhas de crédito voltadas a empresas exportadoras.

O Banco Central reduziu o recolhimento do depósito compulsório dos bancos, para que ofertem mais crédito e também entrou no mercado vendendo dólares para evitar uma grande subida do câmbio. Todas essas políticas são importantes e corretas, mas são pontuais, paliativas e de efeitos indiretos e pouco previsíveis sobre o conjunto da economia. Tudo depende da reação dos especuladores e dos bancos. O que precisamos é reivindicar uma atuação rápida com políticas adequadas na direção do mercado de trabalho, para minimizar os efeitos da crise sobre a grande maioria da população.

O FMI prevê, para o Brasil, um crescimento de 5,2% em 2008 e de 3,5% em 2009, acima da média da América Latina pela primeira vez em vários anos. Estamos, porém, numa situação em que as previsões são um jogo de palavras e números inúteis.


3. Essa crise capitalista aponta para a superação do que se convencionou chamar de neoliberalismo?
É cedo pra dizer que a gestão liberal do capitalismo caiu por terra com a crise. Quando a crise chega, ninguém mais quer ser liberal, todos pedem a intervenção do Estado, porque o mercado sozinho não acha saída para a situação caótica que gerou. Mesmo assim, as principais características da gestão liberal do capitalismo permanecem, porque a intervenção estatal pode ser pouco significativa e passageira. A situação atual pode produzir o efeito pedagógico de propiciar a mudança das políticas monetária e fiscal restritivas e dar curso a políticas industriais e agrícolas que proporcionem o atendimento das necessidades da população. As crises econômicas internacionais de 1929 e dos anos 1970 provocaram uma reação criativa no Brasil. Foram implementadas diretrizes industrializantes e desenvolvimentistas, com forte presença do Estado. As saídas para a crise atual podem ir além, proporcionando desenvolvimento com justiça social. Isso poderia abrir novas perspectivas de futuro para aqueles que sempre pagaram a conta dos sucessos e falências do capitalismo.

Um comentário:

Guiga disse...

o Hayek já era. E o Keynes tá mais vivo do que nunca.