Segundo professor Ricardo Antunes, da Unicamp, suicídio de Vargas adiou golpe da direita para 1964
Há 55 anos, o presidente Getúlio Vargas cometia suicídio com um tiro no peito. O professor Ricardo Antunes (Unicamp) responde por que ele se matou e analisa seus governos comparando com o Brasil de hoje.
ENTREVISTA
Sai da vida e entra na história
Por que Getúlio é lembrado como o melhor presidente que o Brasil já teve?
Ricardo Antunes | Fundamentalmente, 1º) o governo de Getúlio, que vai de 1930 a 1945 e de 1950 a 1954, é um marco do processo de industrialização no Brasil e do desenvolvimento de um projeto nacional. O Estado nacional ganhou corpo, o mercado interno brasileiro ganhou corpo, isso fez o projeto nacional/desenvolvimentista do Getúlio ficar marcado na história brasileira. 2º) Getúlio era um político de alta qualidade. Além de conseguir representar os grandes interesses dominantes, a oligarquia da qual ele era expressão (ele era um oligarca do Rio Grande do Sul), ele representava também os interesses da burguesia industrial nascente nos anos 1920, que sob seu governo encontrou grande expansão. 3) Ele tinha uma enorme capacidade e um projeto de desenvolver o capitalismo nacional. Ele sabia que para um projeto de industrialização, tinha que integrar a classe trabalhadora. E integrar a classe trabalhadora implicava em regulamentar a força do trabalho. O que era uma reivindicação da classe operária por direitos – porque a classe operária lutava desde fins do século XIX e início do século XX – ele fazia com que parecesse para a grande população brasileira como se fosse uma dádiva de Getúlio. Daí a ideia de que Getúlio era o “pai dos pobres”.
Por que ele se matou?
Antunes | Em 1954 havia uma crise política profunda. Havia um projeto a favor da internacionalização do capital, de abertura do Brasil para o capital externo de modo irrefreado. E, por outro lado, um projeto nacionalista, do Getúlio, que tinha um componente nacional e estatal – que tinha a presença do capital externo, mas não era um capitalismo aberto irrefreadamente ao capital externo. Essa distância política de dois projetos se acentuou num contexto de crise dos anos 1950. Quando Getúlio deu 100% de aumento do salário mínimo e implantou medidas restritivas no que diz respeito a saídas de lucros para o exterior, então a direita começou a jogar muito pesado. E quando a direita conseguiu convencer o Exército de que Getúlio era um risco, as Forças Armadas informaram Vargas na noite de 23 de agosto que ele não detinha mais o controle militar e que só tinha a alternativa da renúncia ou ceder a todas as exigências deles. A direita aliada ao capital externo ou a “direita liberal” não aceitava mais o getulismo. Getúlio, então, na madrugada do dia 24 de agosto, percebendo que não tinha mais apoio do Exército e não tinha mais sustentação política para se manter, deu um golpe de mestre. Terrível, mas de impacto: a sua morte significaria a vitória do projeto getulista. No dia em que ele morreu, uma comoção se abateu no país, as populações foram todas às ruas e os golpistas perderam a batalha.
O que ele conseguiu?
Antunes | Ele conseguiu adiar a crise de 1954/55 para dez anos mais tarde. Em 1964, a direita “resolveu a questão” com o golpe. De qualquer forma, a decisão deve ter sido muito difícil.
É possível relacionar Lula com Getúlio?
Antunes | É possível sim. O Lula tem uma capacidade de dialogar com o povo que se assemelha com a do Getúlio. O povo entende o que o Lula fala. O que não significa que seu governo seja bom. Eu tenho uma posição agudamente crítica ao Lula. Do ponto de vista de um projeto de esquerda, é um desastre completo, é uma tragédia. Segundo, o Lula é um conciliador, como Getúlio. O governo Lula foi o que mais remunerou os capitais nos últimos 30 anos e, na ponta de baixo, praticou um assistencialismo através da bolsa família mais abrangente que o tradicional assistencialismo da direita. Os dois são lideranças carismáticas que não precisam dos partidos políticos para fazer a mediação com o povo. É isso que permite você falar de getulismo e de lulismo, dadas as devidas diferenças que naturalmente existem.
O senhor gostaria de destacar alguma diferença?
Antunes | Olha, tem uma diferença importante: enquanto Getúlio Vargas é originário da
burguesia agrária do RS e assume um projeto de industrialização no país, o Lula é oriundo da classe trabalhadora, do operariado metalúrgico, e faz um governo que fez a burguesia ficar de boca aberta. A burguesia se pergunta “por que nós não descobrimos o Lula antes?” Lula faz um governo para a alta burguesia brasileira e internacional e essa é uma diferença.
Um comentário:
Que interesses representam Lula, Sarney e metade mais um do congresso?
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