domingo, 13 de setembro de 2009

Pré-sal: Carlos Lessa - entrevista


Ele foi demitido da presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) por discordar da política econômica do governo Lula em 2004.

Nacionalista, Carlos Lessa, 73 anos, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é um dos economistas e intelectuais mais respeitados do país.

Em entrevista feita por telefone na manhã de 1º. de setembro de 2009, um dia depois do lançamento do novo marco regulatório para o petróleo, Lessa gentilmente aceitou falar sobre o assunto. Mas, com a vitalidade e capacidade que tem, foi profundamente além.

Das posições de ambientalistas às dos interessados no projeto de trem bala, a entrevista abarca uma série de aspectos da nossa história hodierna, feita aqui e agora.


Pré-sal: maravilha ou maldição?

O que significa a mudança do marco regulatório para exploração do pré-sal?

O que foi anunciado até agora é um retorno à visão do interesse nacional sobre o interesse privado. Ou seja, é uma derrota da visão neoliberal. O que o governo federal fez foi muito correto.

Em primeiro lugar, colocou a Petrobrás presente em todos os lotes do futuro pré-sal, com 30% em troca do pioneirismo dela. Corretíssimo.

Segundo, trocou o regime de concessão pelo regime de partilha nos novos lotes. Continua o péssimo regime de concessão fora do pré-sal e nos lotes do pré-sal já leiloados. Mas o grosso do pré-sal vai ser dividido em partilha, muito mais conveniente pro país.

A outra coisa extremamente importante é que houve a decisão de capitalizar a Petrobrás com R$ 100 bilhões de ações. Decisão, ao meu juízo, corretíssima, que é atribuir um valor elevado, US$ 10 por barril potencial, às franjas dos atuais lotes concedidos, com o capital à Petrobrás. Eu acho isso uma maravilha porque o governo, na verdade, vai entrar com os direitos de explorar o petróleo na periferia dos lotes atuais. Calculou isso em 50 milhões. É muito bom. Tendo em vista a participação estrangeira no capital da Petrobrás, viu? Na franja de onde eles encontrarem petróleo. Porque tem uma coisa que chama roubo do petróleo.

Se o campo é contínuo e a concessão não cobre o campo todo, na franja é possível tirar petróleo do campo principal. E o que o governo fez foi capitalizar a Petrobrás, transferindo como capital para a Petrobrás ter seus direitos nos territórios limítrofes. Isso me parece extremamente inteligente porque vai criar um anel de Petrobrás em torno desses lotes que foram irresponsavelmente leiloados no passado.

O que me preocupa, e você pode falar aí para os sindicalistas e para os operários do chão de fábrica, é o seguinte. Não é à toa que chamam o petróleo de ouro negro. Na verdade, ele é mais importante para o país que o ouro metálico. Porquê? Porque o petróleo puxa a cadeia de produção de todas as pessoas. Então, se o Brasil quiser ser uma economia robusta tem que usar o petróleo para ficar forte e não para exportar petróleo cru, porque isso é a pior opção de todas.

Quando a soja é produzida, ela é o resultado da luz solar, da terra, da água e do trabalho das pessoas que lá estão. Porém já usa petróleo com as máquinas agrícolas que usam combustível, elas foram feitas utilizando combustível no passado e usa os fertilizantes, que são feitos do petróleo.Depois põe no caminhão e leva para o porto. Aí você está botando mais petróleo na soja. A soja que está no porto é a soma da natureza mais toda essa cadeia de incorporações de energia. Aí chega no porto, em vez de você exportar a soja, você planta a soja, exporta o óleo e usa o farelo para engordar o boi. Quando você engorda o boi, é energia que ele comeu do capim mais a soja que ele está comendo. Ele está comendo petróleo, ele está comendo trator, ele está comendo o óleo do trator lá no interior. Pois bem, e o que você faz com o boi? Você mata o boi, né? Você usa energia elétrica para refrigerar o boi. E depois, o que você faz com as carnes? Você corta – trabalho para as pessoas – aí você pega a carne e vai exportar. Essa carne que você está exportando tem dentro de si a soja, a energia elétrica, o petróleo do caminhão, do trator, do fertilizante e o trabalho desde que você selecionou a semente até o trabalho do corte no matadouro. O que você faz com o couro da vaca? Novamente o Brasil exporta o couro cru. Devia fazer o quê?

Sapato...

Devia fazer o couro, preparar o couro para fazer e vender sapato barato para os operários, que eles fazem calçados, entendeu? Quanto mais eu estou transformando, mais eu estou colocando valor nas coisas. Então pegar petróleo e jogar fora para o resto do mundo é uma estupidez. Países que exportam petróleo são países amaldiçoados. No limite pode ser um Iraque. Ou Kwait. Ou uma Arábia Saudita. Tudo é ruim. Só tem um país que exportou petróleo com inteligência. Chama-se Noruega. Um país de 4 milhões de habitantes, só.

Lá o sistema é de partilha.

Isso o governo anunciou, é muito inspirado no norueguês. Agora tem dois pontos que eu queria chamar a atenção. Preparem seus corações que agora a imprensa vai bater pesadamente. Os lobbistas do setor já estão todos nos jornais hoje dizendo que está retrocedendo, reestatizando, é uma coisa terrível, viu? Mas com petróleo não se brinca, viu? Eles vão jogar tudo contra, para derrubar a lei que o Lula encaminhou. E a desculpa que eles vão usar é a questão da partilha. Você é paulista e eu sou carioca mas nós temos que partilhar todo o rendimento do petróleo com o Brasil todo, sabe por quê? Porque é uma riqueza da Nação! Não é riqueza só do morador de Copacabana, meu bem! Estão tirando petróleo a 200 quilômetros de Copacabana, mas Copacabana não tem nada a ver com isso. Tem tudo a ver porque faz parte do Brasil.

Falam que esses estados vão gastar mais.

Não vão gastar mais não! É um absurdo! Eu estou falando como carioca, eu sou do Rio, mas eu prefiro defender o Brasil. É mais importante. Eu peço até que o Serra não fique somando esforços como anda fazendo o meu governador.

Professor, o que representa o pré-sal para o país?

O futuro. Que idade você tem, menina? Não tem filho ainda. Mas vai ser vovó, né? E o seu neto vai viver numa civilização muito diferente se nós utilizarmos bem. Se nós utilizarmos mal, seu neto vai levar uma bomba dirigida na cabeça dele quando for garoto.

Como os recursos provenientes do pré-sal devem ser investidos?

Obviamente um pedaço dos recursos devem ser investidos em infra-estrutura. Nós estamos precisando muito de eletricidade, precisando desesperadamente de ferrovias. É. E a outra coisa que é extremamente importante é que a gente toque para frente políticas sociais. Finalmente é possível fazer uma política educacional bem feita, uma política de cobertura de saúde, uma política de segurança, precisa botar muito mais gente para fazer policiamento, entendeu? É para o Brasil uma maravilha, se nós utilizarmos bem. Mas é uma maldição se nós utilizarmos mal.

Porque aí a gente não desenvolve a indústria nacional, exporta óleo cru...

Se você exporta óleo cru, coloca aí pros teus leitores o seguinte: pode acontecer com o Brasil o que aconteceu com a Holanda. A Holanda descobriu gás no Mar do Norte, então passou a exportar gás. Como recebeu uma quantidade enorme de divisas, o florim valorizou muito. Pararam de exportar, quebraram a indústria holandesa e quebraram as atividades agropecuárias da Holanda. Quando acabou o gás, a Holanda não tinha mais nada na retaguarda. Imagina o Brasil vivendo só de petróleo a loucura que vai ser. Aí ficam com essa bobagem de trem bala. Trem bala é um brinquedo caro que não serve para nada. A gente precisa de ferroria. Precisa transportar carga. Alta velocidade de passageiro não é problema. O problema é nas cidades, precisa de metrô em SP, de metrô no Rio, e não trem bala, viu?

E os ambientalistas?

É complicado. Por exemplo, todo e qualquer trabalhador sabe que o Brasil precisa de energia elétrica, não é? Mas os ambientalistas não estão deixando fazer as hidrelétricas no ritmo e no tamanho necessários. Sabe o que está acontecendo? Burramente estão se fazendo termelétricas. Termelétricas consomem petróleo e óleo combustível e jogam muito mais carbono para poluir o ambiente que hidrelétrica. É bom que os trabalhadores aprendam o seguinte: toda vez que o homem existe ou faz alguma coisa, ele interfere na natureza. Nós somos parte da natureza. Quando a gente constrói uma casa, nós estamos modificando o meio natural, mas não é correto construir uma casa ou a gente tem que dormir debaixo da árvore?

(risos)

Não, não. Pergunte eles. A água que você recebe em casa é capturada na natureza, ouviu? E o que você joga na água fervida, também retorna para a natureza, ouviu? A gente também retorna quando a gente morre, não é? O bicho homem faz parte da natureza, mas tem que fazer a política que o bicho homem viva melhor! É óbvio que não pode devastar a mata, não é? Tem que tomar cuidado com a Mata Atlântica. Por isso, os sindicalistas têm que botar o olho nessa bobagem que estão querendo que é fazer um porto em São Sebastião. Um porto em São Sebastião vai destruir a Ilha Bela e arrebentar um pedaço importante da mata, viu? É muito mais importante a mata ali que um porto. A gente tem até portos, tem Itajaí, tem o porto de Vitória [inaudível] mas está uma coisa boba da Petrobrás de fazer um porto ali em São Sebastião, que está caminhando por essa coisa paulista de puxar tudo para São Paulo, entendeu?

Então seria melhor fazer investimento nos portos já existentes.

É muito mais importante, como você falou, melhorar os portos já existentes que fazer novos. Você tem que dizer aos sindicalistas o seguinte: o sindicalismo sabe da enorme importância de novos empregos, e bons empregos, empregos com carteira assinada. Isso só é possível com o país crescendo. E o país só cresce se for transformando a natureza em uma natureza que seja para o homem. E o petróleo não é renovável. E porque rico em eletricidade? Porque é renovável. Termoeletricidade não é. Foram feitas 66 termelétricas no país, isso é um absurdo.

Sobre o pré-sal quer falar mais alguma coisa?

Eu vou falar até para um amigo meu, vou mandar um telegrama para a ministra Dilma, porque ela acertou em cheio.

Tá. Mas a gente já pode dizer que o pré-sal é nosso, professor?

Ainda não. O alto preço da liberdade é a vigilância, né? Tem uma campanha “O Petróleo tem que ser nosso”, você já viu o filme? Os sindicalistas têm que entrar na campanha. Aliás nós vamos fazer uma reunião em Santos na semana que vem, o pessoal das confederações todas, viu... Se puder falar aí com o pessoal do seu sindicato.

E essa coisa da pressa, que está com muita pressa para aprovar?

Isso é um debate político. Agora vão envenenar o Lula dizendo que o Lula vai usar o pré-sal para a campanha eleitoral. Bom, é muito provável que o Lula use o pré-sal para a campanha eleitoral, e daí? Cabe às pessoas que competirem com ele apresentar propostas melhores, não é? Porque o Lula está acertando com o petróleo mas, com a China, ele fez um negócio com muito lucro chinês. Trocou 10 bilhões de óleo cru por um financiamento chinês à Petrobrás. A Petrobrás não precisa de financiamento internacional, de um ou outro país. A Petrobrás é ouro em pó: ela consegue o financiamento que ela quiser. E também não precisa desenvolver o pré-sal com muita rapidez, pode fazer até um pouco mais devagar, entende?

Por quê?

Porque o Brasil já tem auto- suficiência de petróleo. O Brasil não precisa para dentro de muito mais petróleo. O que o Brasil precisa é de industrialização. E a economia do petróleo bem manejada leva o Brasil à industrialização: à multiplicação dos empregos de boa qualidade.


Mudanças

O governo encaminhou ao Congresso, em 31/08, projetos de lei que mudam o marco regulatório do petróleo. Se aprovados, a exploração do pré-sal será feita através de um modelo misto: concessão e partilha.

Hoje, no sistema de concessão, a empresa vencedora da licitação é dona de todo o óleo extraído. Na partilha, que será feita em cerca de 72% do total de 112 mil km quadrados a área do pré-sal (porcentagem ainda não leiloada), o óleo é dividido entre a União e empresas que derem a maior parte do petróleo ao Estado.

Na partilha, a União é sócia da empresa que oferecer ao Estado maior quantidade de óleo extraído. Nesse modelo, o monopólio do petróleo é da União e a Petrobrás será, em todos os casos, a operadora (para ter acesso a informações privilegiadas, desenvolver tecnologias e acompanhar custos). A Petrobrás será a única a operar (perfurar e extrair o óleo) no pré-sal e terá uma participação de 30% garantidas nos consórcios que irão explorar a região. Os sócios, quando houver, só entram com investimentos.

A Petrosal entra como “olheira”: não irá operar. Irá administrar a riqueza em nome da União.

Nas áreas do pré-sal já leiloadas, nada muda: o modelo continua sendo o de concessão.

A estimativa é de reservas entre 9 e 14 bilhões de barris, quase o dobro das atuais.

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